Marina ajoelhou e... rezou para Aécio e para o seu deus-mercado. É bom que os militantes perplexos da Rede e os eleitores espantados de Marina saibam que desde sempre ela foi uma invenção desses caras. E que a decisão, mais uma vez, foi ditada pelos patrões.
Por Reginaldo Moraes*, publicado no Brasil Debate
Marcos Fernandes
Marina e o tucano Aécio Neves em encontro que selou a troca de alianças do segundo turno
Não, não é o Velho Testamento, não se trata de nenhuma loteria bíblica. As decisões de Marina decorrem de motivações bem mais terrenas e materiais.
Depois de criticar a polarização entre os “iguais” e dizer que representava uma alternativa “a tudo o que está aí”, a líder da nova política declara apoio à velhíssima política dos Neves.
Quem vê a trajetória de Marina percebe que ela teve boas intuições e, talvez, boas intenções, ao propor essa “despolarização”. O problema é sua fragilidade, sua insegurança. Problema? Não, talvez seja problema para ela, mas não para os espertos que a adotaram e conduziram.
É compreensível o espanto e a decepção que já começam a aparecer entre militantes de sua Rede. Uma parte deles rompeu explicitamente com a dirigente e com a sua posição de se atrelar ao PSDB. Mas esses militantes deveriam saber que essa decisão está bem longe de ser inesperada e bem longe de ser incoerente.
Desde logo, o programa de Marina namorou com ideais libertários, ecológicos e progressistas. Pouco a pouco, foi revendo e renegando todos aqueles ideais progressistas – os temas LGTB, energia nuclear, petróleo, agronegócios, transgênicos etc. Porém, Marina jamais abriu mão de um ponto de seu programa: a política econômica reacionária e ultraliberal, mais reacionária, até, do que aquela que o PSDB defende.
Essa política econômica era o capítulo inegociável e “verdadeiro” de seu programa. O resto era enganação – e os simpatizantes e eleitores da Rede foram claramente enrolados pelas hábeis manobras da “coordenação de campanha”.
E não é outra a razão de seu apoio a Aécio Neves. Como diz a famosa frase: é a economia, estúpido (os estúpidos somos nós, claro). Foram os chefes que mandaram.
Vamos deixar claro uma coisa: Marina, a insegura e frágil criatura da Rede, foi escolhida, monitorada e manipulada por gente que escolheu a dedo seu boneco. É forte e triste dizer isso, mas essa pessoa de trajetória comovente foi transformada num boneco. Não, não estamos falando apenas da “educadora” Neca, que falou de tudo, nesta campanha, menos de educação – aliás, ela foi precisamente a porta-voz do mercado, foi ela que disse que “os mercados estão contra Dilma e a favor de Marina”.
Mas a coisa vai mais longe e é bom que os militantes perplexos da Rede saibam disso. Não é apenas o Itaú.
Vocês devem saber quem é Álvaro de Souza, o tesoureiro de Marina, desde 2010. Precisam saber, embora ele sempre fique na sombra. Desde 2009, ele é não apenas o guru de Marina, mas o seu anel de ligação com o capital financeiro americano.
Foi ele que a apresentou aos financistas de New York em 2010 e manteve acesa essa chama. Pois Álvaro de Souza não é apenas o dirigente da ONG ecológica WWF. Ele é um dos principais operadores do Citibank para a América Latina.
E quem é o Citi, o banco que adotou Obama e, desde 2009, adotou Marina? O Citibank é o banco “mais criativo do mundo”. Foi o Citi que inventou o esquema de reciclagem de petrodólares e eurodólares que alimentou a dívida externa de países da América Latina e África.
O Citi, nos anos da ditadura, ganhava mais lucros na América Latina do que nos Estados Unidos – era o banco que controlava 40% da dívida brasileira. Mas não era apenas isso. Era o banco que lavava o dinheiro de “ditadores do diamante” e do petróleo da África – Zaire, Serra Leoa, África do Sul.
Os dólares do Citi eram verdes, mas manchados de sangue. Era o único banco americano que operava com o regime do apartheid. E tem mais. Era o banco (talvez ainda seja) de Raul Salinas de Gortari, o irmão do presidente privatizador do México e chefe de um cartel de armas e drogas.
Mais ainda: o Citi é o banco que lavou e lava o dinheiro do ditador Pinochet, cuidadosamente chamado, nos seus registros contábeis, de J. P. Ugarte (sim, o P é P de Pinochet).
O Citi é, também, o banco americano pioneiro nas operações de transferência de fundos de empresas e ricaços para paraísos fiscais – nas dezenas de subsidiárias do Citi nas Ilhas Cayman, Jersey, Ilhas Virgens, Costa Rica, Panamá. E Suíça, claro.
O Citibank também tem experiência na invenção de bichos exóticos úteis a suas manobras. O chefe do banco, Robert Rubin, praticamente inventou Obama, sabendo que, no momento certo, ele arrumaria um jeito de limpar a sujeira do Citi no negócio das fraudes hipotecárias. E foi o que aconteceu: Obama, mordomo de Rubin, nomeou todos os meninos do Citi para o governo e eles salvaram os bancos da falência, além de distribuir bônus para os executivos ladrões.
Esse é o pessoal que dirige – sim, dirige mesmo – as decisões de Marina da Silva. Em suma, não é apenas o Itaú. É o “mercado”, por meio de sua vanguarda mais degenerada.
Portanto, nenhuma surpresa na decisão “incoerente” de Marina. Depois de dizer que “jamais subiria no palanque tucano”, Marina beijou as mãos de Aécio sem a menor cerimônia. Abriu mão até de sua proposta relativa à maioridade penal – para ela, ao que parece, os jovens pobres brasileiros podem continuar a serem trucidados por “justiceiros” e encarcerados em massa.
Marina ajoelhou e… rezou para Aécio e para o seu deus-mercado. É bom que os militantes perplexos da Rede e os eleitores espantados de Marina saibam que desde sempre ela foi uma invenção desses caras.
E que a decisão, mais uma vez, foi ditada pelos patrões. Agora, não basta dizer não à sua “ordem” de voto em Aécio. Isto é pouco diante desse golpe.
É hora de recusar mais radicalmente essa “alternativa” e sepultá-la, sem vacilações. Não apenas deixar de votar em Aécio, mas votar para derrotar esse atraso de vida. Aécio não é candidato da “mudança”, é candidato do desmanche. Desmanche das políticas sociais contra as quais SEMPRE militou. E desmanche de um projeto de País independente, soberano e mais justo.
*Reginaldo Moraes é professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo
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