quinta-feira, 8 de maio de 2014

Banalização de linchamentos é reflexo de sociedade individualista

 

 

Desde o dia 31 de janeiro, quando um adolescente de 15 anos foi torturado e preso a um poste na Zona Sul do Rio de Janeiro por “justiceiros” que o acusavam de furto, inúmeros casos parecidos se alastraram pelo país. A “justiça com as próprias mãos” se tornou uma prática comum, a questão é que os tais “justiceiros” não estão sendo investigados e punidos pelos crimes que cometem. 

Por Mariana Serafini, do Vermelho


Reprodução
Alailton Ferreira (17) e Fabiane Mraria de Jesus (33), ambos julgados e condenados a morte pela sociedade antes de terem os supostos crimes apurados pela Justiça, nos dois casos eles eram inocentes.Alailton Ferreira (17) e Fabiane Mraria de Jesus (33), ambos julgados e condenados a morte pela sociedade antes de terem os supostos crimes apurados pela Justiça, nos dois casos eles eram inocentes.
Duas semanas após o caso do Rio de Janeiro, um jovem de 26 anos, acusado de assalto, foi espancado e preso a um poste em Itajaí (SC); no dia 26 de fevereiro mais um caso foi registrado em Belo Horizonte (MG) e dia 17 de abril outro rapaz de 18 anos foi amarrado a um poste e açoitado com fios de energia elétrica pela população no interior de Minas Gerais. 

Mas a “justiça com as próprias mãos” vai além. Nos últimos dois meses, três pessoas inocentes foram assassinadas em “linchamentos coletivos”, acusadas de crimes que não foram comprovados. O caso mais recente é o do Guarujá, onde Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi espancada até a morte pela população depois de ter sido identificada pela página de notícias do Facebook 
Guarujá Alertacomo sequestradora. Não havia denúncias de sequestro registradas na cidade. 

Mas antes de Fabiane, outros dois homens já haviam sido assassinados de forma semelhante no Espírito Santo. O jovem Alailton Ferreira, de 17 anos, foi morto em um espancamento coletivo. A acusação contra ele era de estupro, mas também não havia registro das denúncias. Marcelo Pereira da Silva, de 31, também acusado de estupro, foi assassinado da mesma forma. As supostas vítimas foram submetidas a exames no Departamento Médico Legal e o crime não foi comprovado. 

Todos estes casos foram divulgados pela imprensa, principalmente jornais e sites locais. Um ponto comum entre eles é que as pessoas responsáveis pelos linchamentos são tratadas pessoas que precisaram fazer “justiça com as próprias mãos” devido ao sentimento de impunidade e insegurança. Em raros momentos cobra-se da Justiça a identificação e punição dos agressores que torturaram e mataram pessoas inocentes. Destes sete casos relatados, apenas o de Fabiane tem tido um tratamento diferente. 

O Portal Vermelho conversou com o coordenador de Direitos Humanos do PCdoB, Jamil Murad, para saber como esta situação social deve ser encarada. Jamil acredita ser impossível “voltar aos trilhos da civilização se não houver condenação destes criminosos”. 

Para ele, é importante que a sociedade se dê conta de que estes justiceiros são, na verdade, criminosos e se sinta tão agredida quanto as vítimas dos linchamentos. “A lei impede qualquer atitude contra a vida, sem saber se a vítima é responsável por algum crime ou não, sendo assim, essas pessoas que cometem esses linchamentos devem ser punidas pela lei.” 

De acordo com Jamil, a violência coletiva generalizada é um reflexo da profunda crise que o sistema capitalista enfrenta. Ele recorda que durante a depressão econômica de 1929 – a maior registrada até então – a sociedade teve um comportamento parecido. Quando a insegurança e o egoísmo imperam a barbárie se torna a regra. 

“Estamos vivendo o fim da solidariedade”, afirma Jamil. Ele explica que é em períodos como o vivido atualmente, onde o capitalismo passa por uma crise estrutural profunda, que o individualismo é mais acentuado, propositalmente. “Cria-se um clima de insegurança e reforça-se o racismo e todo tipo de preconceito porque o individualismo extremo é um dos princípios do neoliberalismo.” 

Ele acredita que os setores reacionários e ultraconservadores de direita são os mais interessados neste sentimento generalizado de insegurança. “Ao se ter uma intensa divulgação dessas barbáries, a sociedade fica intimidada e se torna uma presa fácil para o discurso da direita [de proteção individual e redução do Estado].” 

“Neste clima de insegurança total a direita sempre leva a melhor”, avalia. Para ele, estes são os momentos onde os retrocessos democráticos começam a ganhar espaço. “Esse setor reacionário apoia as ditaduras, por exemplo.” A sensação de insegurança faz com que o individualismo ganhe corpo. 

Mas a discussão vai além, para Jamil, isso faz parte de uma tática imperialista imposta por países dominantes, ele cita os Estados Unidos como exemplo. “O neoliberalismo depende de guerras, ocupações de países, tomadas de riquezas naturais e energéticas, do estímulo da ‘lei do mais forte’ para se manter”, avalia. “Os países imperialistas enfrentam uma profunda crise e por isso estimulam a economia de guerra.” 

Para ele, a imprensa que segue a agenda imposta por este sistema, tem o papel de acentuar a instabilidade e a insegurança para aumentar o egoísmo e o individualismo que levam a sociedade a agir naturalmente diante de um clima de guerra posto. “São países que vivem de guerras, e a guerra individual onde as pessoas ao se sentirem inseguras consomem armas para se proteger também faz parte deste processo”, explica. 

Diante deste quadro, Jamil acredita que a sociedade deve restabelecer a solidariedade e a coletividade. Os responsáveis pelos linchamentos coletivos devem ser identificados e punidos como criminosos. Quanto à imprensa, precisa ser regulamentada e penalizada por incentivar a barbárie. Por isso, para Jamil, o debate está diretamente ligado à democratização dos meios de comunicação. Ele acredita que a sociedade não pode aceitar com naturalidade que concessões públicas sejam utilizadas como propagadoras da barbárie por empresas de comunicação que continuam impunes.
 



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