segunda-feira, 20 de julho de 2015

Eduardo Cunha ainda não está “morto”

Por Altamiro Borges


Muita gente séria tem afirmado que Eduardo Cunha, o famoso 'achacador' que hoje preside a Câmara Federal, está “morto politicamente”. Há quem garanta que as denúncias feitas pelo empresário Júlio Camargo, de que o lobista recebeu US$ 5 milhões em propina, pode até resultar no seu impeachment e na sua prisão. Até setores da mídia, que sempre estimularam o oposicionismo do “peemedebista rebelde”, já preveem o seu total isolamento. A revista Época, da famiglia Marinho, registrou uma cena curiosa que confirmaria a difícil situação do seu aliado temporário no ódio ao governo Dilma. Vale conferir a notinha do jornalista Ricardo Della Coletta:

Ninguém esperava muitos parlamentares circulando pela Câmara Federal numa sexta-feira que inaugura o recesso parlamentar, mas chamou a atenção de quem acompanhou a coletiva de imprensa, na qual o presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) anunciou que estava rompido com o governo, a presença de apenas quatro deputados a seu lado: Hildo Rocha (PMDB-MA), Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), Édio Lopes (PMDB-RR) e André Moura (PSC-SE). Destes, apenas Moura é líder de bancada. Graúdos da Câmara lá não apareceram. 

A cena revela, de fato, a solidão momentânea do 'imperador'. Ele também foi rifado pelo seu partido, o PMDB, que soltou nota oficial afirmando que o tal rompimento é “posição pessoal”; levou uma canelada do juiz Sérgio Moro, o seu aliado na midiática Operação Lava-Jato; e não recebeu nem a solidariedade dos seus amigos da oposição demotucana. Mesmo assim, é bom não esquecer que o Congresso Nacional, o primeiro ironicamente eleito com base na “lei da ficha limpa”, é o mais conservador desde o fim da ditadura militar – quando só existiam os partidos do “sim” e do “sim senhor”. O que impera no parlamento é a chamada “bancada do BBB”, com representantes da Bala, da Bíblia e dos Bois. Eduardo Cunha é o rei do gado nesta composição reacionária.

A bancada do BBB e a costa quente

A própria Folha, que recentemente se distanciou do deputado carioca temendo seu fundamentalismo religioso e seu radicalismo aventureiro, fez um importante alerta neste sábado (18): “A entrevista do presidente da Câmara [em que ele declarou guerra a Dilma] deflagrou uma insurgência silenciosa de aliados que se dispõem a abandoná-lo. É cedo, porém, para declarar seu isolamento. Com o apoio dos empresários, ele ajudou a financiar a campanha de mais de cem deputados”. Mais de cem devedores do lobista! Além da bancada do BBB, Eduardo Cunha tem “costa quente” e conta com fortes apoios: 

- Dos empresários que financiaram sua campanha para receber em troca o apoio aos seus projetos de interesse. As multinacionais das telecomunicações, as agressivas mineradoras, as empresas do ramo farmacêutico, entre outras, contam com o lobista para impor suas pautas. Mesmo os setores patronais que não doaram dinheiro para o caixa de Eduardo Cunha sabem que contam com os seus préstimos. Vide a votação acelerada da terceirização, que precariza o trabalho e serve unicamente às empresas. Eduardo Cunha é um político orgânico do capital.

- Dos setores da mídia, como a Rede Globo e a revista “Veja”, que seguem blindando o parlamentar com o objetivo exclusivo de fustigar o governo Dilma. Em certo sentido, Eduardo Cunha é refém dos impérios midiáticos, que conhecem toda sua trajetória - a sua folha corrida -, mas evitam fazer alarde para não prejudicar o seu oposicionismo. O presidente da Câmara Federal é pautado pelos barões da mídia e não pode "mijar fora do penico". Neste momento de dificuldades, ele deverá radicalizar ainda mais sua postura - o que serve perfeitamente aos interesses da mídia monopolista e oposicionista.

- Dos setores mais reacionários da sociedade - incluindo os "milicos de pijama" saudosos da ditadura, as seitas fundamentalistas que destilam ódio e preconceito contra as chamadas "minorias" e os grupos que organizaram as recentes marchas golpistas. Estes setores inclusive já manifestaram solidariedade a Eduardo Cunha contra as denúncias de corrupção. Os fascistas mirins dos grupelhos "Revoltados Online" e Movimento Brasil Livre (MBL), entre outros, estiveram recentemente com o presidente da Câmara e depositam todas as fichas na sua disposição de abrir o processo de impeachment de Dilma. "Todos temos simpatia pelas ações do Cunha e pela saída da presidente", afirmou na ocasião Danilo Amaral, o fascistóide que agrediu o ex-ministro Alexandre Padilha e lidera a seita "Acorda Brasil".

Um lobista sedutor e agressivo

Além destes apoios, Eduardo Cunha é um político habilidoso. Ele sabe mesclar sedução e violência e conhece, como poucos, o regimento interno do Legislativo. Em maio, por exemplo, ele aprovou - "na surdina", segundo a Folha - norma que garante isenção tributária às igrejas. "Com o aval de Eduardo Cunha, evangélico, o artigo foi incorporado na medida provisória do ajuste fiscal... O benefício pode garantir a anulação de autuações fiscais que extrapolam R$ 300 milhões", descreveu o jornal paulista. Generosidades como estas reforçam as promiscuas relações da bancada do BBB e ainda seduzem os parlamentares do "baixo clero", que adoram sugar os cofres públicos com a sua visão patrimonialista.

Já diante dos seus desafetos, o lobista é implacável. Logo após assumir a presidência da Câmara, ele isolou seus críticos nas 36 comissões especiais da Casa. Com esse controle absoluto, Eduardo Cunha impôs o seu ritmo e garantiu a tramitação de vários projetos do seu interesse - e dos seus doadores de campanha. Mesmo quando foi derrotado em plenário - como no fim do financiamento privado e na maioridade penal -, ele simplesmente desconheceu o resultado e impôs novas votações. Agressivo e vingativo, ele não perdoa ninguém. Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República recebeu denúncias de que o lobista ameaçou seus delatores na midiática Operação Lava-Jato. A PGR chegou a sugerir a prisão preventiva do presidente da Câmara para garantir a continuidade das investigações.

Estes e outros fatos mostram que não se deve subestimar Eduardo Cunha. Ele ainda não está "morto politicamente" e ainda pode causar muitos estragos à frágil democracia brasileira.

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