A quantia que gregos sonegaram e esconderam na Suíça supera os 80 bilhões de euros. Alguém ainda acredita que a dívida pública é legal, moral ou legítima?
Por Carlos Enrique Bayo*
Tahir / Flickr
Entre as muitas canalhices que a Troica e o Conselho Europeu cometeram contra a Grécia, talvez a mais cínica foi a de ocultar que todo o dinheiro que os gregos necessitam agora está em paraísos fiscais e foi fruto de evasão fiscal por parte dos magnatas tão apoiados por Merkel e Rajoy. Indo direto ao ponto: o valor que se esconde em contas na Suíça supera os 80 bilhões de euros –precisamente, a quantidade que se negocia agora para um terceiro resgate grego –, segundo os especialistas consultados pelo programa Rundschau (Panorama) da Radiotelevisão Suíça(SRF).
Melhor dizendo, os fundos gregos ocultos na Suíça poderiam inclusive duplicar ou quase triplicar essa cifra, já que as estimativas citadas pelo diário Neue Zürcher Zeitung am Sonntag, de Zurique, sobre a quantidade de dinheiro negro da Grécia evadido o paraíso fiscal helvético oscila entre 2 e 200 bilhões de euros! Um valor astronômico, que mostra como o secretismo do governo suíço foi o que permitiu o saqueamento dos fundos públicos da Grécia, que arruinou o país (evidentemente, seu colapso econômico não se deu pelos gastos em aposentadorias e pensões antecipadas, como a versão que alguns governantes europeus pretendem impor). Enquanto essas fabulosas fortunas não pagam um centavo dos impostos que deveriam pagar, a UE insiste em exigir o aumento do castigo econômico à empobrecida população grega.
É possível calcular quanto dinheiro foi subtraído dos cofres públicos gregos na fuga de capitais massiva que se desencadeou a partir de 2010, quando se tornou público que o governo conservador do partido Nova Democracia esteve ocultando sua colossal dívida pública desde 2001, com a assessoria de Goldman Sachs, para poder entrar na Zona Euro. Essa hemorragia econômica foi produzida num paciente já desenganado, por uma evasão fiscal que parecia descontrolada: em 2009, um informe do Helvea Bank estimava que 99% dos mais de 23 bilhões de euros depositados por milionários gregos em contas suíças nunca foram declarados ao fisco – e isso só em depósitos bancários, sem contar as outras múltiplas formas de investimento na Suíça, como ações, imóveis, fundações, trusts, fundos…
Não é que as autoridades europeias não conheciam o tamanho do desvio de riqueza da Grécia. Talvez seja o contrário: em 2010, Christine Lagarde (então ministra da Fazenda da França e hoje diretora do FMI) entregou à sua colega no governo de Atenas, Giorgios Papaconstantinou, os 2.059 nomes gregos na célebre Lista Falciani (a que foi filtrada por um funcionário informático do HSBC, com as identidades de dezenas de milhares de fraudadores europeus, com contas secretas na oficina de Zurique do banco internacional). Na lista grega figuram um ex-ministro da Cultura, vários altos cargos do Ministério da Fazenda e numerosos dirigentes da associação patronal, entre muitos outros grandes empresários e destacados políticos.
Mas o governo grego não só escondeu essa lista e permaneceu de braços cruzados – apesar dela mostrava, por exemplo, que uma só família, a Papandreu, ocultava nessa sucursal uns 500 milhões de euros – como também, anos depois, quando a revista Hot Doc publicou esses nomes, a Promotoria grega se apressou em ordenar a detenção do diretor da publicação, o periodista de investigação Kostas Vaxevanis, por violação da privacidade dos fraudadores! Mais que isso, no ano passado se descobriu que o ministro Papaconstantinou havia apagado da lista original os nomes de sua prima Eleni, o do seu marido e o do esposo da sua irmã, Marina, que tinham contas milionárias nessa filial do HSBC.
“O mais interessante é ver por quê a Grécia, entre todos os países que receberam essa lista (a de Falciani), foi o único que não a utilizou” para recuperar a fortuna fraudada, escreveu o comentarista político Pavlos Tsimas na entrevista dominical do diário grego Ta Nea. E essa omissão não foi cometida somente pelo socialista Papaconstantinou (que negociou o criticado primeiro resgate à Grécia, que submeteu o país a uma austeridade devastadora), mas também pelo seu sucessor à frente da carteira de Finanças, Evangelos Venizelos, quem acabou sendo o líder do PASOK (Movimento Socialista Grego), e novamente pelo seguinte governo conservador de Antonis Samarás, grande amigo e aliado do presidente espanhol, Mariano Rajoy.
Mas não pensemos que só os meios do bipartidismo grego (Nova Democracia e PASOK) pensaram encobrir os grandes fraudadores que arruínam os cofres públicos. Por exemplo, os governos trabalhistas e conservador britânicos também se omitiram sobre as 7 mil contas do Reino Unido na Lista Falciani: em oito anos, só se processou a um desses 7 mil sonegadores!, segundo a BBC, e se permitiu que, durante esse tempo, esses bilionários levassem a outros paraísos fiscais cerca de 100 bilhões de euros, uma fortuna imensa que evadiram da Fazenda britânica graças à inação dos governantes que, ao mesmo tempo, multiplicavam a pressão fiscal sobre os assalariados, aos que recortavam serviços e ajudas com o argumento da falta de fundos públicos.
Mas a Suíça é só mais um dos 74 paraísos fiscais do planeta, nos que se estima (cálculos de Wall Street) que se ocultam cerca de 32 bilhões de dólares (a soma dos PIB´s da Espanha daqui até 2045), gigantesca acumulação de capital que, além disso, cresce em um bilhão de dólares mais a cada ano. É desse tremendo estoque monetário, desviado dos cofres públicos, que sai “o dinheiro dos mercados”, com o que os estados se endividam, e que depois é preciso devolver religiosamente, com os sacrifícios e penúrias dos cidadãos, segundo a doutrina quase-religiosa da austeridade neoliberal.
Alguém ainda acredita que a dívida pública é legal, moral ou legítima?
* Diretor de "Público", foi redator-chefe da editoria internacional na edição de papel desse diário. Trabalhou como correspondente em Moscou (1987-1992) e em Washington (1992-1996), e também como principal responsável da editoria internacional em cinco periódicos diferentes. Também foi enviado especial em conflitos no Afeganistão, Cambodja, Oriente Médio e Armênia-Azerbaijão
Tradução: Victor Farinelli
Fonte: Carta Maior
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