sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Leonardo Boff: a religião deve conscientizar, e não amedrontar ao transformar danos ambientais em pecado


Para Boff, a religião pode contribuir para a mudança de atitude face à natureza.
Leia os principais trechos da entrevista.

Revista Sustentabilidade: O que é sustentabilidade para o senhor?
Leonardo Boff: A sustentabilidade não é apenas um problema técnico. Ele supõe uma outra atitude face à natureza, de reconhecimento da alteridade dos seres, de respeito pelos ciclos da natureza, de avaliação da capacidade de regeneração dos recursos naturais, de sentido de proporção entre a utilização racional dos recursos e serviços e as necessidades das gerações futuras e outros elementos.
Revista Sustentabilidade: Como a religião pode auxiliar na construção de um mundo sustentável?
Leonardo Boff: Superar a lógica meramente utilitária pela lógica da convivência benevolente dentro da mesma comunidade terrenal e biótica é objeto da pregação das religiões. Nisso ela pode colaborar para se ter uma sociedade sustentável que pressupõe um meio-ambiente sustentável e, por fim, de um planeta sustentável.
Revista Sustentabilidade: Como assim?
Leonardo Boff: Ela [a religião] ensina aquilo que mais falta ao projeto da tecno-ciência que opera o desenvolvimento-crescimento de nossas sociedades: o respeito pela alteridade, o reconhecimento de que as coisas valem por si mesmas e não apenas porque nos são úteis, pois elas representam uma revelação do Criador e têm direito de continuar a existir, pois não fomos nós que lhe demos existência. Alimentar a solidariedade generacional.
Revista Sustentabilidade: Como a Igreja pode promover a educação ambiental? Ela tem feito isto?
Leonardo Boff: A Igreja possui, a partir seus conteúdos religiosos, uma função pedagógica de suscitar responsabilidade nos fiéis pela qualidade de vida. Ela ensina que a missão do ser humano no conjunto dos seres é ser cuidador e guardião de todos os seres, especialmente dos mais fracos para que não sucumbam ao darwinismo ecológico, pois eles também têm direito de existir.
A Igreja com sucessivas campanhas, especialmente com a Campanha da Fraternidade sobre a questão da água, da Amazônia e outras, mobilizou milhões de pessoas que, nas comunidades, nos grupos de base, nas pastorais sociais e em todas as paróquias estudaram estes temas. Ofereceu excelentes subsídios de conteúdo científico e pedagógico de como conhecer melhor tais questões e como contribuir, a partir dos locais e situações concretas, para a manutenção ou transformação dos comportamentos.
Revista Sustentabilidade: Mas a religião não pode também atrapalhar o desenvolvimento sustentável?
Leonardo Boff: A religião como qualquer outra instância possui também suas limitações. Por exemplo, durante séculos as Igrejas ensinaram o que está no livro de Gênesis: "crescei e multiplicai-vos, dominai e submetei a terra, os animais, as aves e os peixes...". A Igreja entendeu ao pé da letra o "multiplicai-vos" e gerou o boom populacional. Também [interpretou] ao pé da letra "submetei e dominai" e assim estabeleceu o antropocentrismo e legitimou uma atitude agressiva face à comunidade da vida. Hoje entendemos que em hebraico "dominai e submetei" deve ser entendido dentro da vocação maior do ser humano que recebeu de Deus uma herança para cuidar e fazer progredir: o Jardim do Éden que é a própria Terra. Na verdade, em hebraico, "dominar e submeter" não tem a conotação agressiva que em nossa linguagem tem, significa cuidar, proteger, como o faz um jardineiro dentro de seu jardim.
Revista Sustentabilidade: O que o senhor achou da nova lista de pecados da Igreja Católica, um deles, prejudicar o meio ambiente? Uma forma de mostrar preocupação com o tema?
Leonardo Boff: Eu acho uma forma equivocada de afirmar a preocupação ecológica. Trabalha-se com aquilo que a Igreja na história sempre utilizou que é o medo, a condenação e o inferno. Assim foi com a conversão dos primeiros povos romanos e germânicos, assim foi com a primeira evangelização da América Latina. Surgiu por conta desta atitude negativa um cristianismo de medo, de pessoas infantilizadas que agem sob coação e não pela verdade e a bondade da coisa em si mesma.
Mais importante que enumerar pecados, seria enumerar virtudes ecológicas. Ademais surge a situação ridícula [de achar alguém] a quem confessar um pecado ecológico? Ao padre, que não precisa entender nada de ecologia? Ao secretário de meio ambiente do município? Que penitência impor? Uns padre-nossos, ou plantar árvores ou limpar uma rua ou trabalhar uma comunidade carente, ensinando praticas ecologicamente corretas? E ai nos perdemos em casuísmos. De modo geral a Igreja Católica não despertou ainda pela grave situação do aquecimento global.
Diferentemente o Conselho Mundial de Igreja em Genebra que reúne mais de 300 denominações cristãs já há anos elaboraram todo um projeto que vem sob o motto justiça, paz e preservação do Criado.
Revista Sustentabilidade: A maioria dos fiéis, tanto das igrejas protestantes como da católica são pobres, tendo historicamente muito pouco poder de influência sobre as questões ambientais. As pessoas e o meio ambiente se encontram, como os oprimidos ou as vítimas, sem poder mudar o seu mundo?
Leonardo Boff: A questão ecológica é global e afeta cada uma das pessoas. Cada um pode sempre fazer alguma coisa como cuidar do lixo em casa, cuidar da água, não queimar nada, não derrubar nenhuma árvore, plantar árvores o mais que puder e em qualquer canto, ajudar a manter limpa a rua, comer produtos menos contaminados, não poluir os ares e os solos, etc. Naturalmente a crença religiosa motiva as pessoas, pela visão que possuem da criação de Deus que devem cuidar, a terem atitudes cuidadosas e não irresponsáveis. Isso não depende de ser pobre ou rico. Uns e outros são afetados pelo aquecimento global, pelas secas, pelas enchentes e outras conseqüências perversas.
Revista Sustentabilidade: O cristianismo, se levado ao pé-da-letra poderia ser uma solução para enfrentar os problemas sociais e ambientais?
Leonardo Boff: O cristianismo não pode ter a pretensão de ter a solução dos problemas. Ele mesmo é parte do problema e foi cúmplice de seu surgimento. Ele pode se somar a outras forças para aumentar a capacidade de salvação da natureza e da vida humana ameaçada. Logicamente, cada grupo possui as suas razões específicas, mas o importante é que haja convergências na diversidade para que o efeito positivo seja alcançado.
fonte: revista Sustentabilidade

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