Eron Bezerra *
Faz parte do velho manual de Sun Tzu (A Arte da Guerra) que para governar é preciso dividir o inimigo ou, no mínimo, conseguir neutralizar uma expressiva parcela desse segmento beligerante. Mas o mesmo manual ensina, também, que a vitória reside no fato de não se perder território e ao conquistar novos territórios e aliados.
Tudo indica que a nomeação de Joaquin Levy para ministro da Fazenda – um técnico conservador e, para muitos, abertamente neoliberal - obedece rigorosamente essa lógica, ou seja, neutralizar parte da classe dominante que hoje já flerta abertamente até mesmo com golpe militar na tentativa de encerrar o 1º ciclo de governos progressistas em 500 anos de existência desse extraordinário país. Resta saber se essa flexão tática não resultará na perda de importantes aliados, de caráter estratégico, que hoje asseguram a base social de apoio da presidenta Dilma.
As primeiras medidas anunciadas pelo novo ministro, tais como a elevação da taxa de juros (Selic) de 11,75 para 12,25%; o aumento do imposto sobre operações financeiras (IOF) e as restrições em vários programas sociais, aí incluídos o financiamento de bolsas estudantis e seguro desemprego, sinalizam para as duas possibilidades.
Essas medidas, ademais, confirmam plenamente o perfil conservador e fiscalista do novo ministro. Revelam que ele está preso ao velho receituário neoliberal. Receituário que não deu certo no Brasil governado pelos tucanos de FHC e que destruiu vários países que teimaram em aplicar essa política, dentre eles Espanha, Portugal e Grécia.
O silêncio obsequioso dos banqueiros e do baronato financeiro de maneira geral, bem como a má disfarçada defesa que os principais veículos de comunicação fazem das medidas anunciadas indicam, por si só, que essa não é a pauta capaz de dialogar com o movimento popular, especialmente o proletariado do campo e da cidade.
E não é em vão as ressalvas que as principais centrais sindicais do país fazem desse pacote de medidas restritivas, na medida em que não se conhece experiência exitosa dessa política mundo afora.
Os melhores exemplos de crescimento econômico, distribuição de renda e elevação do padrão social do povo ocorre exatamente em países socialistas e ou de governos progressistas (China, Vietnã, Bolívia, etc.) que aplicam outra política e não esse manual. A esmagadora vitória da esquerda grega nesse domingo (25), que se elegeu condenando abertamente a política neoliberal, é mais uma evidência do fracasso dessa política.
Sob a ótica da banca financeira, porem, as medidas anunciadas correspondem as suas expectativas, na medida em que visa reduzir despesas e aumentar receitas, assegurando, assim, um grande superávit primário e a tranqüilidade no pagamento de seus rendimentos especulativos. Adicionalmente, como anuncia o próprio ministro, “se busca a credibilidade do mercado”.
Os dados não deixam dúvidas quanto a isso, senão vejamos:
A dívida pública federal brasileira (DPF) é da ordem de 2,155 trilhões de reais, sendo 2,050 trilhões a dívida interna e 104 bilhões a parcela externa. O custo médio dessa dívida, em outubro de 2014, era 11,63% o que representava um dispêndio anual em torno de 251 bilhões de reais ao ano.
Com base nesses dados conclui-se que a elevação de apenas 1% no custo dessa dívida representa algo como 2,5 bilhões de reais, ou seja, uma fortuna muda de mãos toda vez que o Banco Central altera a taxa de juros, como acaba de fazer, fixando em 12,25%.
Como a inflação oficial do país fechou o ano em 6,41% dentro da meta, apesar do alarido dos pregadores do apocalipse, é fácil deduzir que a taxa limpa de rentabilidade é da ordem de 5,84% ao ano, situando-se entre as maiores do mundo.
Sabendo que nada menos do que 1,47 trilhões de reais (68,3% do total) da DPF está nas mãos da banca financeira (bancos, fundos e seguradoras) e de não residentes, fica fácil compreender porque o chamado “deus mercado” e seus porta-vozes têm sido tão obsequiosos com Levy e seu receituário.
Resta saber o que o movimento popular, que tem assegurado a governabilidade da presidenta, receberá de contrapartida para que a presidenta não corra o risco de nem agradar a classe dominante – que se orienta por interesse de classe – e ainda perder o apoio das camadas populares, cada vez mais espremidas entre a logica da gestão pública e a ganância especulativa da banca financeira.
* Professor da UFAM, Doutor em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Coordenador Nacional da Questão Amazônica e Indígena do Comitê Central do PCdoB.
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