Por
Renato Rovai, em seu blog:
Desde a eleição de Lula para presidente da República, em 2002, se acentuou
uma disputa no campo progressista entre um setor que defende todas as ações do
governo em nome da governabilidade e de um outro que apoiou Lula na sua primeira
candidatura, mas que foi ampliando sua crítica às políticas adotadas pelo
governo petista desde a reforma da Previdência, em 2003.
Essa disputa ideológica, porém, não é algo novo. O caso mais
simbólico é o do Chile de Allende, onde o racha na esquerda deu discurso à
direita mais violenta. Aqui no Brasil a situação é bem diferente, mas essa
divisão às vezes fratricida não ocorre apenas desde o primeiro governo Lula.
Alguns governos populares municipais já haviam sido bastante combatidos por
setores da esquerda, um deles foi o de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo
(1989-1992).
Naquela época, Erundina era criticada tanto pela esquerda
quanto pela direita. E enfrentou duras greves que desgastaram sua administração
por não conseguir conceder os aumentos salariais que os sindicatos de servidores
reivindicavam. Também sofreu duro combate por conta do reajuste nas tarifas de
transporte. E mesmo tendo tido à frente da sua Secretaria de Educação figuras
como Paulo Freire e Mario Sergio Cortella, foi tratada como inimiga de classe
por um sindicato dos professores municipais cuja diretoria à época fazia
discurso de esquerda e que depois veio a apoiar Serra e Kassab.
A derrota
daquele projeto político liderado pela atual deputada do PSB levou Paulo Maluf
ao governo municipal. Aquela disputa entre governistas e esquerdicidas não levou
em consideração o quanto a cidade perderia com aquilo. E a São Paulo de hoje tem
muito a ver com os erros daqueles tempos.
Há quem ache que ser de
esquerda é ter compromisso com a derrota, estar sempre replicando o discurso de
que está se perdendo algo, que nunca há algo a se celebrar e conquistas a
comemorar. E há quem ache que defender um projeto político que está no governo é
dizer amém a tudo. Para um certo tipo de governismo os avanços não se constroem
na polêmica, no debate e na disputa. E por isso alguns militantes petistas já
estão tratando os ministros Kátia Abreu e Gilberto Kassab como
companheiros.
Esses governistas tanto no ativismo digital quanto na
militância partidária se tornaram patrulheiros do debate crítico e com essa
postura fazem avançar posições inconsequentes de grupos e indivíduos que ignoram
que na disputa política é preciso saber diferenciar adversários históricos de
pontuais ou circunstanciais.
O recente episódio do reajuste da passagem
em São Paulo é um tanto simbólico desse tipo de debate. O MPL tem o dever e o
direito de criticar o aumento e buscar combatê-lo. É um movimento social cujo
principal objetivo é atuar nessa questão. Ao mesmo tempo quando uma de suas
lideranças dá uma entrevista como a que foi publicada no SpressoSP, onde afirma
que é mais fácil criticar o Haddad do que o Alckmin porque o movimento é da
cidade e que a sede da prefeitura é mais perto do que a do governo do estado
para manifestações, isso demonstra o quanto há de incompreensão do que se
disputa inclusive do ponto de vista da estrutura do transporte numa metrópole
como São Paulo.
Se o MPL está mais preocupado com ônibus do que com
metrô, por exemplo, isso é absolutamente contraditório com toda a pauta
contemporânea quando se discute mobilidade urbana em grandes cidades. E se
prefere combater mais Haddad do que Alckmin é porque não entendeu nem a pauta
que disputa. Afinal, Haddad tem feito um governo muito mais atento as questões
da mobilidade do que Alckmin e seu governo é muito mais permeável a esse
diálogo.
Mas será que isso não esconde outra lógica. A de que é mais
fácil bater em Haddad porque isso vira manchete nos veículos tradicionais e
fortalece a ação de divulgação do movimento.
É triste ver como o
esquerdícidio não se constrange em fazer alianças com a mídia tradicional de
direita para derrotar projetos mais progressistas. E como se comporta como
ursinho carinhoso quando governos de direita lhe derrotam. As demissões de
funcionários do metrô e a reação tímida do Sindicato e de outros movimentos
permitiriam uma boa análise desse tema.
Além disso, o esquerdicídio não
permitiu que um movimento que obteve uma enorme vitória em 2013, conseguindo
manter a tarifa de todo o transporte da região metropolitana de São Paulo e de
outras cidades inalterada, tirasse proveito político dessa conquista. E ainda
desprezasse completamente uma nova vitória que é a de garantir aos estudantes de
escolas públicas o passe livre tanto em ônibus como nos trens e metrô. Evidente
que os governantes só concederam esse benefício porque temiam uma nova
mobilização organizada pelo MPL. E ao invés de gritar conquistamos, mas queremos
mais, as lideranças do MPL têm preferido tratar essa vitória com
desprezo.
O Brasil é um país muito mais complexo do que a divisão
clássica entre esquerda e direita permite enxergar. Isso não quer dizer que não
existam campos claros na disputa política e interesses econômicos imensos a
alimentá-la. Por isso mesmo seria muito importante que movimentos que estão
buscando a reorganização da esquerda e da suas pautas tenham sucesso. Seria
fundamental inclusive que isso ajudasse aos governistas adocicados a repensar
sua forma de atuação. O governo que se inicia foi eleito com base numa ampla
composição política, mas ao mesmo tempo conseguiu reagir no segundo turno e
mesmo no primeiro contra a candidatura de Marina politizando o debate pela
esquerda. Isso não só não pode ser esquecido como ao mesmo tempo precisa ser
sempre lembrado.
Evidente que não é uma tarefa fácil atuar politicamente
nessas condições, mas se alguém esperava facilidades com a reeleição de Dilma
não deve apenas responsabilizá-la pela sua frustração. Deve também levar em
conta que ainda não entendeu direito o país em que vive. Aqui nunca foi
fácil.
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