Qual a diferença básica, entre mecanismos aparentemente semelhantes? Do ponto de vista da soberania popular a diferença é grande, embora juridicamente seja pequena, e o temor conservador pode ser explicado pelo antes e pelo depois.
Por Romualdo Pessoa*, em seu blog
Charges (internet)
Pronto, o foco da mídia agora passou a ser outro, a partir da iniciativa da presidenta Dilma Roussef em apressar a Reforma Política, uma das exigências do clamor popular, diante da insatisfação com o atual modelo representativo brasileiro.
Prestem atenção no que passou a acontecer logo após o anúncio feito pela presidenta. Primeiro a ideia de convocação de uma Constituinte exclusiva, a quem caberia a discussão em torno dessa reforma. Seus parlamentares seriam eleitos exclusivamente para discutir e elaborar o novo sistema político-partidário brasileiro. Imediatamente a grande mídia, principalmente a Rede Globo, procurou, seletivamente, apresentar opiniões de juristas contrários à ideia.
Na forma apresentada, a população passou a ser induzida a acreditar que era juridicamente equivocada a iniciativa da Constituinte. Absolutamente manipulada, na medida em que outros juristas, não ouvidos pela mídia, mas cujas opiniões eram expostas em outros canais de informações, embora menos vistos, confirmavam a validade da iniciativa, desde que por iniciativa do Congresso e aprovada por 3/5 dos parlamentares. A meu ver, o temor era que a Constituinte pudesse avança sobre temas mais espinhosos, como a questão do parlamentarismo, ou até mesmo regulamentar muitas leis ainda sem aplicação, como o de imposto sobre grandes fortunas.
A pressão surtiu efeito, a presidenta recuou. Aparentemente argumentando que o prazo para a sua convocação, eleição e vigência seria longo, o que poderia contrariar o desejo popular de celeridade nesse processo.
Passou-se então, a partir daí, às discussões sobre o plebiscito, pois sem a Constituinte, seria essa a forma de participação popular escolhida pelo governo para forçar a aceleração das discussões em torno da reforma política.
Imediatamente a mídia, e mais uma vez a “vênus platinidada” global passa a selecionar vozes discordantes, seguida, como sempre, de uma oposição que não se envergonha em seguir as orientações do “grande irmão”. Desta feita, temerosos do que o povo poderá decidir, desejam substituir o plebiscito por um referendo. Como sempre a tentativa de encobrir os temores políticos escora-se em (falsos) argumentos jurídicos. Como “em cada cabeça há uma sentença”, assessoram-se daqueles juristas que, utilizando-se de seus linguajares “juridiqueses”, adequados para confundir os leigos, disparam uma salada de frases legalistas, que se traduzem no seguinte sentido (segundo a minha interpretação): “não deem ao povo o direito de decidir primeiro”. Ou, como bem direto disse, certa feita, um governador mineiro, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada: “façamos a revolução, antes que o povo a faça”.
Repito, fiquem atentos.
Qual a diferença básica, entre mecanismos aparentemente semelhantes? Do ponto de vista da soberania popular a diferença é grande, embora juridicamente seja pequena, e o temor conservador pode ser explicado pelo antes e pelo depois.
Plebiscito é uma expressão de origem latina (plebiscitum). Era o mecanismo adotado pelos imperadores romanos, diante de alguma crise institucional, quando buscava-se amenizar as revoltas populares, da plebe, ou dos plebeus. A fim de conter a massa, o governante, através dos senadores, davam à essa população mais pobre, o direito de definir sobre um tema que a contrariava e que, porventura, fosse objeto de impasse entre os patrícios e seus representantes. Pode ser entendido como “a plebe opina”. Por esse mecanismo, os temas são propostos para que o povo decida sobre aquilo que deseja tornar-se lei. O que for de seu desejo deverá ser implementado pelos legisladores.
Referendo, que também tem sua origem na terminologia latina (referendum), diferencia substancialmente do plebiscito porque neste caso é dado ao cidadão o direito de apenas “referendar”, ou aprovar (ou recusar) aquilo que já foi discutido e elaborado pelos legisladores ou governantes.
É evidente, que a diferença entre os dois mecanismos identifica claramente os objetivos daqueles que os propõem.
O que temos atualmente. Um congresso parlamentar completamente desmoralizado perante a opinião pública, por várias razões, e a mais relevante é a leniência em tratar de temas que são do desejo da população. Entre eles, a reforma política, empacada que nem jumento velho quando cisma em não arredar o pé do lugar. Obviamente porque há uma falta de sintonia entre o que deseja as ruas e os interesses da maioria daqueles que foram eleitos, em tese, para representá-las.
Temos um Congresso conservador, por essência, na sua composição de classe, que foge completamente daquilo que é a sociedade brasileira. Não importa, agora, que foram eleitos pelo próprio povo. Há uma sublevação em marcha, e diz respeito, em grande parte, à ineficiência política desses parlamentares, que se dispõem somente a agilizar questões relativas aos seus interesses particulares ou das corporações que financiaram suas campanhas. Repito, a maioria, e não a sua totalidade. Mas é essa maioria que define o andamento dos processos e que protela a decisão sobre os temas mais relevantes, de interesse público.
O que deve prevalecer nesse momento é a voz das ruas. São anos e anos com a aspiração de uma reforma política sendo tolhida, porque, naturalmente, os parlamentares que ali estão não desejam realizar mudanças que venham a ferir seus interesses mesquinhos. Seja de confrontar o poder reacionário do latifúndio, o moralismo inepto de fundamentalistas evangélicos e o estilo catatônico de velhas raposas preocupadas somente com o seu curral eleitoral.
Deve-se enviar para a escolha dos cidadãos várias proposições, para que a maioria escolhida seja, obrigatoriamente, seguida pelo parlamento. Que seja dado ao povo o direito até mesmo de errar, mas que não lhe seja usurpado a sua vontade de decidir sobre questões que o levou às ruas. E não somente que, mais uma vez, seja protelado, enrolado e manipulado, uma reforma política, aprovada ao bel prazer de uma maioria conservadora, e empurrada “goela abaixo” somente para ser “referendada”, ou “submetida à aprovação popular”. Isso é muito pouco para o que deseja as vozes das ruas. O povo deseja ser protagonista, como vem sendo, dessas mudanças. E se elas não acontecerem pela política, o processo histórico ensina como prosseguirá.
A multidão, que se revolta até de forma agressiva nas ruas, embora a mídia tente separar bons e maus (principalmente quando a revolta vai para a periferia), tem pressa. E a sua insatisfação é também com esse Congresso que aí está, de uma composição majoritariamente paquidérmica e senil. Ela não quer somente dizer um “sim senhor” ao que ali vai ser elaborado.
Ela precisa mais do que isso, e pode fazê-lo sendo lhe dado o direito de decidir entre pelo menos três propostas diferentes para cada tema. É uma ótima oportunidade de fazer as pessoas discutir amplamente aquilo que ingenuamente vem negando: a política.
E é plenamente possível fazer isso através de um PLEBISCITO. Com o congresso discutindo e aprovando aquelas propostas que, entre eles, recebam a maioria dos votos. Para depois elas serem colocadas para que os cidadãos indiquem qual delas deve ser acatada pelo parlamento e legislada definitivamente.
A discussão entre Plebiscito e Referendo não é meramente jurídica. Ela é política. E define claramente, para quem não é um alienado, obviamente, quem tem medo das decisões das ruas. As pessoas que se mobilizaram, formaram a multidão em várias cidades desse país, e ostentaram de formas diferentes e com temas variados, suas indignações com a situação política atual, deve ficar atenta à essas manobras, feitas com as sutilezas do poder midiático, e que visam frear a profundidade das mudanças.
Plebiscito, já!
*Romualdo Pessoa é professor de Geopolítica do IESA-UFG (Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás).**Artigo publicado originalmente no blog Gramática do Mundo.
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