sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O Fim do Mundo

Recomendações finais - Não precisa fechar a casa. O risco de pilhagem depois do fim do mundo é mínimo.

Do livro: Luis Fernando Veríssimo. Sexo na cabeça. Porto Alegre, L&PM, 1982.

Luiz Fernando Veríssimo se antecipou ao calendário maia e, prevenido, faz recomendações práticas de comportamento para o fim do mundo nesta crônica publicada em 1982. Ela tem as referências de época: cyborg, programa Flávio Cavalcanti, na TV, a jurada de tevê Márcia de Windsor, o general Golbery do Couto e Silva etc. A sugestão de publicação é de Mariana Bercht Ruy.

Por Luis Fernando Veríssimo


Eu sei que não é um assunto agradável mas você já pensou seriamente no fim do mundo? Ninguém, claro, gosta de pensar nessas coisas. O céu em chamas, as covas se abrindo, crianças apontando para os quatro cavaleiros do Apocalipse e gritando que também querem um cavalo que voa, os bons e os maus sendo reunidos para o Juízo Final e engarrafando ainda mais o trânsito, o Sol parado no céu e nem por isso dando praia, um cansaço. Mas é preciso ser previdente. Senão, depois do fim do mundo, você vai se lamentar por não se ter preparado adequadamente. E aí será tarde. Eis alguns conselhos para você enfrentar o fim do mundo com um mínimo de desconforto.

O que usar - Obviamente, algo leve. Para as mulheres, alguma coisa na linha de cafetãs coloridos. Para os homens, ternos safári. Dar preferência a tecidos sintéticos que resistem mais à ação do enxofre. Homens e mulheres também podem preferir os práticos jeans ou mesmo bermudas e shorts, desde que os pés fiquem protegidos. Pois as serpentes da remissão percorrerão a Terra e nem quem mora em cobertura estará a salvo. No caso de usarem roupa de gala, recomenda-se às mulheres portarem todas as suas joias, pois uma oportunidade igual a esta não se repetirá tão cedo. Os homens podem alugar smokings. O único inconveniente é que terão que pagar adiantado. O crédito estará compreensivelmente suspenso.

Grupos - Algumas anfitriãs reunirão pequenos grupos para desjejum ou coquetéis - dependendo da hora do evento e depois todos assistirão ao Apocalipse da sacada. Uma sugestão: escolher um tema para a festa. Black and White, por exemplo, ou Os últimos dias da Babilônia. Não leve roupa de banho porque a água da piscina vai ferver.

Conselho jurídico - É bom contratar um bom advogado para o Juízo Final. Alegar que você só cometeu os crimes menores, como matar mulher a tiro e roubar na Bolsa. Em hipótese alguma tente subornar o juiz.

Novela das oito - Você nunca vai saber como termina. É triste mas não há o que fazer. Não, comprar um daqueles aparelhos japoneses que gravam os programas quando você não está em casa não adianta. É possível que a besta de sete cabeças que emergirá dos mares apareça no programa do Flávio Cavalcanti e a Márcia de Windsor dê nota dez. Um consolo é que não haverá mais festivais de música nem reapresentação do Cyborg.

Emigrar para a Suíça - Não adianta e pode até ser perigoso. Dizem que Deus tem uma implicância especial com a música tirolesa e arrasará a Suíça primeiro.

Disfarces - Podem ser tentados. Experimente com nariz postiço ou hábitos religiosos. De preferência
hábitos religiosos para manter um resquício de seriedade. Se perguntarem responda que você é padre.

- Que religião?

- Católica.

- Hmmm.

Parece que está tudo bem. Você receberá tratamento especial. Mas espere. Há outra pergunta.

- De que linha?

- Como, de que linha?

- Conservadora ou progressista?

E agora? Qual é a linha que tem mais prestígio lá em cima? Fique com o nariz postiço.

Últimos desejos - Parece que, quando o fim do mundo estiver chegando, teremos um aviso. Mudará a mão do Túnel Novo, os telefones começarão a falar sozinhos e o Maluf aparecerá com uma peruca mechada. Isto quer dizer que haverá tempo para realizarmos nossos últimos desejos. Ou então, aqueles desejos reprimidos, aquelas coisas loucas que
sempre tivemos vontade de fazer mas nunca fizemos. Pegar formulários oficiais e onde diz "Não escreva neste espaço", escrever. Morder uma nádega da Fafá de Belém. Sei lá.

Desconfiança - Só porque é o fim do mundo não quer dizer que vão enrolar você. Se o Apocalipse cair numa sexta, por exemplo, diga coisas como:


- Espere aí! E o dinheiro da Loteria Esportiva vai ficar com quem?

Conspiração - Alguém olhará para o céu em chamas, os quatro cavaleiros no ar, as fendas sulfurentas se abrindo na terra, os espíritos deixando suas covas e o mar borbulhando e certamente pensará:

- Mais uma do Golbery.

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