Envolvido em reportagens que dão voz às minorias, Caco Barcellos trabalha por volta de treze horas por dia e viaja constantemente. Nesta quarta, 15, o repórter participou do debate “Segurança para quem fala: Liberdade de expressão em toda a mídia”, realizado pelo Consulado-Geral Britânico de São Paulo, na USP.
"Nosso dever é tratar os assuntos que têm relevância nacional. Falta consciência de que não estamos cumprindo o nosso papel com o devido rigor. Estamos exageradamente voltados para a realidade de nós mesmos, como profissão que pertence às elites brasileiras, estamos pensando como classe dirigente, como integrantes de um sistema, de um poder”.
Por Renata Cardarelli, no Comunique-se.
"As mortes citadas no ‘Rota 66’ deveriam ser divulgadas, não o jornalista famoso ameaçado, diz Caco Barcellos
De camisa branca, calça jeans e mala preta de rodinhas, o jornalista chegou cerca de cinco minutos atrasado. Quando entrou, os olhares se voltaram para o profissional “que dispensa apresentações”, como havia anunciado, momentos antes, a gerente de comunicação e diplomacia pública do consulado, Barbara Reis. “Não foi no ritual britânico [pontualidade], mas ainda há tempo”, brincou ela, arrancando risos da plateia, composta por cerca de 90 estudantes.
Caco ficou indignado com a postura da imprensa brasileira na década de 1990 e ressalta que jornalismo “não é profissão para defender o que está ao redor do seu umbigo”. A indignação se deve à cobertura sobre o livro de sua autoria, Rota 66 – A história da polícia que mata. Lançada em 1992, a obra conquistou o Prêmio Jabuti e revela casos de assassinatos cometidos pelo “esquadrão de morte” da Polícia Militar de São Paulo.
Gaúcho de Porto Alegre, o jornalista não gosta de falar sobre as intimidações recebidas, “porque no geral as ameaças voltam”. “Quando lancei, o livro teve repercussão zero na mídia. Quando fui ameaçado, a imprensa inteira começou a denunciar. Fiquei indignado. O que tinha que ser divulgado eram as 4.200 mortes e não o jornalista famoso ameaçado”.
Ele critica a atuação da mídia e considera que os profissionais estão atuando como integrantes da classe dominante. “Nosso dever é tratar os assuntos que têm relevância nacional. Falta consciência de que não estamos cumprindo o nosso papel com o devido rigor. Estamos exageradamente voltados para a realidade de nós mesmos, como profissão que pertence às elites brasileiras, estamos pensando como classe dirigente, como integrantes de um sistema, de um poder”.
O debate sobre a redução da maioridade penal, por exemplo, é “desnecessário, não faz o menor sentido”. Caco defende um “arrocho da penalização contra o maior, o adulto”, que é “o grande responsável pela violência no Brasil”. “Se as cadeias fossem maravilhosas, recuperassem os indivíduos, talvez eu fosse a favor, mas como sei que ali o cenário é quase medieval, de absoluta desumanidade e nenhuma contribuição positiva para o indivíduo crescer em todos os seus valores, não tem por que a sociedade ter essa expectativa como se a cadeia fosse a grande solução”.
Sempre se incluindo quando faz crítica à imprensa, o jornalista usa “nós” ou “a gente” para sugerir que os profissionais repensem seus papeis. “Os repórteres, estou incluso - embora quase sempre esteja circulando, - não estamos cumprindo nosso papel”. Idealizador do ‘Profissão Repórter’, da TV Globo, Caco sugere que a imprensa pense no “preconceito de classe”. “Somos mais eficientes quando retratamos e defendemos os interesses das minorias privilegiadas e menos eficientes e cumpridores dos nossos deveres quando retratamos ou deixamos de retratar a realidade da maioria que sofre a violência”, conclui.
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