O Secretário Assistente do Tesouro do governo Reagan, Paul Craig Roberts tem insistido sistematicamente sobre o que chama de passagem ao “subdesenvolvimento” dos Estados Unidos da América. Analisa o economista – como inúmeros pesquisadores – que o transportar da manufatura da grande empresa americana especialmente à Ásia (“outsourcing”) acelerou fortemente o fenômeno da desindustrialização do país.
Ironizando as fantasias de neoliberais das universidades de Harvard e do MIT (Centro Industrial e Tecnológico de Massachussets), Roberts reforça suas opiniões relembrando que os centros industriais dos EUA se tornaram “cascas” daquilo que simbolizavam: Detroit perdeu 25% da sua população, assim como Gary Indiana 22%, Flint Michigan 18%, e St. Louis 20% dela!
Noutro longo e veemente enfoque (“O futuro dos Estados Unidos será a ruína”) [1], Roberts afirma que os EUA instalaram um nível de corrupção e manipulação na sua economia, assim como sua política externa, atualmente, que simplesmente seriam impossíveis em outros tempos, quando a ambição e Washington era conter a União Soviética. “A ganância pelo poder hegemônico fez de Washington o governo mais corrupto do planeta”, diz.
Ao ser explícito em que nenhum outro país no mundo entrega a “um bando de vigaristas e crápulas de Wall Street” a direção de sua economia e sua política externa, bem como o domínio completo de seu Banco Central e de seu Tesouro – “a serviço de 1% da população” -, o economista vai bem além: todos deveriam agradecer ao presidente russo Vladimir Putin, pois ele tem o poder de destruir a OTAN e todo o sistema financeiro ocidental inteiro quando quiser.
Bastaria anunciar que, “como a OTAN declarou guerra econômica contra a Rússia, a Rússia não mais venderá energia para os membros da OTAN”. Isso porque – sublinha Roberts – imediatamente ocorreria “a dissolução da OTAN, pois a Europa não pode sobreviver sem os suprimentos energéticos da Rússia. Seria o fim do império de Washington” (Roberts, idem). E Putin não tem aceito as provocações da OTAN, complementa Roberts.
Pobreza cresce e se expande no império
Simultaneamente à desindustrialização escancarada, novos dados sobre a trágica decadência do império norte-americano revelam que no início deste ano já somavam 3,5 milhões de pessoas sem moradias, o que significa o triplo desse número desde 1983; estão sem teto 1,5 milhões de crianças das 15 milhões de crianças que passam fome. Igualmente triplicou nesse período para 18 milhões as casas-fantasmas (vazias e sem moradores!). A própria UNICEF (ONU) descreve atualmente os EUA como um país que menos protege suas crianças, em cuja lista aparece (inacreditavelmente) abaixo da Grécia e ficando apenas duas posições acima da Romênia. Eram 60 mil os sem tetos no último inverno, sendo a metade crianças. [2]
Já o cientista político e matemático Charles Ferguson, [3] entre 2001-2007, anos exatamente anteriores à detonação da crise financeira (das hipotecas subprime) de agosto de 2007, o 1% do topo da pirâmide das famílias americanas abocanhou metade do crescimento total da renda do país. Para o também autor do prestigiado documentário “Inside job” (“Trabalho interno”), no começo de 2014 a riqueza americana é ainda mais concentrada que a renda: 0,1% mais rico dos americanos possuem cerca de um terço de toda a riqueza líquida da população e mais de 40% de toda a riqueza financeira dos Estados Unidos. “Isso é mais que o dobro da parcela detida pela camada inferior de 80% da população” – assegura ele.
Fundamentos econômicos da decadência X extensão militarista
Sendo sempre necessário revisitar formulações centrais de Paul Kennedy e seu clássico “Ascensão e queda das grandes potências” (Campus, 1989), lá se lê que a história dos últimos 500 anos de rivalidade internacional mostra que apenas segurança militar não é suficiente “jamais”: no curto prazo pode até “conter ou derrotar rivais”, porém ao se estender demais “geográfica e estrategicamente”, e mesmo isso ocorrendo num nível “menos imperial” volta-se à “proteção” e menos ao “investimento produtivo”, provavelmente verá a redução de seu poderio econômico “tristes implicações para a sua capacidade de manter a longo prazo o consumo de seus cidadãos e sua posição internacional” (p. 511).
Noutras palavras, para Kennedy a história “sugere” claramente, “a longo prazo”, a ligação entre “a ascensão e queda econômica de uma grande potência militar (ou império mundial)” (idem, p.7-8). Ou como precisamente escreveu Eric Hobsbawm, acerca deste ponto, uma das fraquezas do império americano no século XXI é que “no mundo industrializado de hoje, a economia dos Estados Unidos já não é dominante com era antes”; além do que “o mundo é demasiado complexo para que um único país possa dominá-lo”, por óbvio ressaltando a proeminência militar deste imperialismo. [4]
Ademais, o declínio do imperialismo norte-americano passa cada vez mais da aparência (imediata) à essência na dialética da agressão-regressão. Seu endividamento público passou de 65% do PIB em 2007 para 106% no início de 2014(US$ 18,1 trilhões em março de 2015); embora o endividamento seja apenas parte do declínio econômico-social norte-americano e se dê na própria moeda ainda reserva principal, o dólar, o problema não tem solução no horizonte.
Por isso também, intitulando seu estudo sugestivamente de “A grande degeneração. A decadência do mundo ocidental”, o badalado conservador da Harvard Business School e da London Economics School, Niall Ferguson sentencia: “A dívida pública – declarada e implícita – tornou-se uma forma de a geração mais velha viver à custa dos jovens e dos que ainda estão por nascer”, o que tornou disfuncional a ponto de aumentar a fragilidade do sistema”. Ademais, “é remota” a perspectiva de que um avanço tecnológico comparável às “ferrovias poderia tirar os Estados Unidos da situação em que se encontra”.Taxativamente, para Ferguson a chamada “Grande recessão é meramente um sintoma de uma – mais profunda – Grande Degeneração”. [5]
Vão à mesma direção, quer dizer, a das razoes estruturais, as recentes interpretações acerca da situação da economia mundial, ainda epicentrada na hegemonia imperialista dos EUA. Um dos principais gurus da liberalização financeira, o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers, quando declarou (novembro de 2013) que os EUA correm o sério risco de submergirem numa “estagnação secular”, isto é, a ideia de que a depressão econômica passe a ser a norma. Ou de vivenciarmos uma “nova mediocridade” (Cristine Lagarde, atual diretora-gerente do FMI).
O profundo contra-ataque sino-russo (a Nova Rota da Seda)
Em recentíssima visita a Moscou, Wang Yi, Ministro de Relações Exteriores da China, declarou que a política russa de “Olhar para o Leste” e a política chinesa de “Rumo ao Oeste” (essencialmente incluindo o projeto portentoso de Nova(s) Rota(s) da Seda) “criaram oportunidades históricas para incorporar as estratégias de desenvolvimento dos dois países”. A estratégia da Rússia de “Olhar para o Leste” advoga também sobre a integração eurasiana, assim como Moscou precisa também da Ásia-Pacífico para desenvolver a Sibéria Oriental e o Extremo Oriente da Rússia.
A refinada análise é de Pepe Escobar [6], para quem a aliança estratégica vem evoluindo e não tem a ver só com energia – a possibilidade de investimentos controlados pela China em projetos russos cruciais de petróleo e gás ou como na indústria da defesa: “é cada vez mais assunto de investimentos, banking, finança e alta tecnologia”.
O que envolve ainda a cooperação Rússia-China dentro da Organização de Cooperação de Xangai, até a participação Rússia-China no novo banco de desenvolvimento dos BRICS e o apoio russo ao Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura, BAII [orig. Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB)] liderado pelos chineses, passando pelo apoio russo à Fundação Rota da Seda de controle chinês.
Conforme disse ainda Wang, a Nova Rota da Seda desenvolverá uma “nova plataforma”, um corredor econômico trilateral unindo Rússia, China e Mongólia: planeja-se o corredor de transporte eurasiano, ou seja, uma nova Estrada de Ferro Transiberiana, “moderníssima, de alta velocidade, ao preço de US$ 278 bilhões”, que conectará Moscou e Pequim, além de tudo que haja entre uma e outra, em apenas 48 horas.
Bem além, Pequim e Moscou, com outros países BRICS, estão andando rapidamente em direção ao comércio independentemente do dólar norte-americano, usando suas próprias moedas. Paralelamente, estão estudando a criação de sistema alternativo ao sistema SWIFT de compensações internacionais, ao qual as nações europeias terão necessariamente de aderir, agora que já se integraram ao AIIB.
Cegueira imperialista e isolamento
Afinal, como é possível que isto suceda a um presidente inteligente que se enreda numa guerra sem fim na Mesopotâmia, e que na Eurásia persegue um objetivo que não tem o menor impacto direto para os interesses vitais estadunidenses ao mesmo tempo em que, debaixo do seu nariz, se desenvolve uma reconfiguração fundamental da dramaturgia asiática?
A certeira pergunta-resposta vem do ex-diplomata indiano M. Bhadrakumar. [7] O estrategista indiano revela ainda que a chanceler Angela Merkel afirmou (15 de Março de 2015), quando da inauguração da Feira de Hannover, que a economia alemã vê a China não apenas como parceira comercial, a mais importante fora da Europa, mas também como parceira no desenvolvimento de tecnologias complexas.
Noutras palavras, o amplo isolamento dos EUA é fato consumado e decorre de seu declínio relativo e cada vez mais acentuado, hoje!
[O próximo artigo incluirá criticas as posições (atrasadas) do marxista Perry Anderson na conclusão de seu novo livro sobre a teoria da política externa dos EUA e a situação atual desse imperialismo]
Notas
[2] Ver: “O capitalismo nos país das maravilhas”, Antonio Santos, Avante!, 19/03/2015.
[3] Ver: “O sequestro da América. Como as corporações financeiras corromperam os Estados Unidos”, Zahar, 2013.
[4] Ver: “O império se expande cada vez mais”, in: “Globalização, democracia e terrorismo”, Companhia das Letras, 2007 [2003], pp. 156 e 158.
[5] Cf. Planeta, 2013, pp. 114, 113 e 15 respectivamente.
[6] Ver o excelente artigo de Escobar, “A nova Rota de Seda encontra a União Eurasiana”, em: redecastorFhoto
As informações que seguem, publicas, estão disponíveis nos artigos de Escobar, de M. Bhadrakumar e de Zhou Zhiwei (em: “Considerações estratégicas da adesão do Brasil ao BADII”, Diário do Povo Online, 16/04/2015).
[7] Em: “A Europa também vira... na direção da China”, M.K Bhadrakumar, 16/03/2015, (http://choldraboldra.blogspot.com.br/2015/03/a-europa-tambem-vira-na-direcao-da-china.html).
* Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB
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