Quem a mídia representa e exemplos da manipulação
“Um intenso tiroteio entre policiais civis e traficantes no morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, levou pânico à vizinhança, ontem de manhã”. Este trecho de uma chamada de capa do jornal O Globo, no dia 15 de agosto de 2008, é um exemplo clássico de a quem a mídia hegemônica representa. O intenso tiroteio, segundo O Globo, levou pânico apenas para “a vizinhança”, a classe média e rica da Zona Sul do Rio de Janeiro. Os moradores do morro não contam.
Não mereceram uma mísera linha, a não ser quando presos acusados de tráfico. Se os trabalhadores, idosos e crianças que moram no Pavão-Pavãozinho sentiram pânico, não interessa. Se sentem fome, ou estão desempregados, menos ainda. É com base neste pensamento atávico, desde sempre a principal marca das elites brasileiras, que o grupo Globo e seus ricos parceiros fazem as escolhas políticas e determinam o conteúdo do noticiário.
Deve um operário, assinar um jornal burguês?
É intolerável para a mídia empresarial que, depois de tantos anos de administrações subservientes aos interesses dos ricos, desde 2003 o planalto seja ocupado por um governo cuja força central - contraditória muitas vezes, vacilante outras - é oriunda da luta popular e sindical. Um governo que promove políticas de inclusão social, com uma postura internacional soberana que privilegia a integração com os povos irmãos da América Latina e trabalha para fortalecer a ideia de um mundo multipolar. Para desestabilizá-lo, a mídia instrumentaliza o velho discurso udenista “contra a corrupção”. O mais incrível é que a elite brasileira, que é mais suja do que “pau de galinheiro”, acostumada, como o grupo Globo, a viver dos favores do estado, vive a bradar hipocritamente contra o “aparelhamento” do estado. E tem muita gente que não só acredita como reproduz a cantilena. O herói italiano da luta anti-fascista, Antônio Gramsci, em 1916, definiu com precisão o papel da mídia hegemônica, ao ponderar se um operário consciente deveria ou não assinar jornais burgueses: “é uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação”.
Exemplos atuais
E Gramsci continuava com exemplos sobre a manipulação da imprensa: “Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve! Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há uma manifestação! Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos e malfeitores. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador”. Vamos apresentar agora ao leitor, uma minúscula coletânea com três pequenos exemplos de como, no século XXI, a imprensa burguesa “deturpa ou falsifica”.
Crianças chinesas como cobaia
Jornal O Globo, 01/12/2004. A imagem é chocante. Uma foto com grande destaque tem a legenda: “Uma criança em escola primária na Vila de Lulou, na China, mais de 160 são vítimas do vírus da Aids, o HIV”. Logo abaixo da foto, a manchete destaca: “Órfãos são cobaias em teste anti-HIV”. Pronto, está transmitida a mensagem. Os comunistas chineses, malvados como todos os comunistas, submetem pobres criancinhas a atrozes experimentos. Não é necessário nem perder tempo com a leitura da matéria, de tão indignado que se fica. Mas se alguém se der ao trabalho de ler a reportagem, descobrirá surpreso que a foto nada tem a ver com a matéria que encima, pois esta fala sobre a denúncia, feita pela BBC de Londres, contra a multinacional GlaxoSmithKleine, que estaria usando crianças órfãs e abandonadas como cobaia para experimentos com substâncias altamente tóxicas em... Nova Iorque. A foto da criancinha chinesa na verdade foi colocada, teoricamente, para ilustrar outra matéria, sobre a posição do Vaticano em relação ao uso de camisinhas na prevenção à Aids.
Lula na lista de corrupção
Jornal O Globo, 27 de março de 2009. A manchete diz “Lista associa políticos a quantias”, com o subtítulo: “Deputados, senadores e funcionários de estatais teriam recebido dinheiro de empreiteira”. O lead (primeiro parágrafo) informa, em seu início: “A Polícia Federal já tem em mãos nomes de políticos e servidores públicos que teriam recebido dinheiro da construtora Camargo Corrêa”. Logo abaixo da manchete uma enorme foto do presidente Lula, falando em um palanque com o símbolo da polícia federal abaixo. Estudiosos em comunicação apontam que o leitor, em geral, lê apenas a manchete e as primeiras linhas da introdução e é com isso que os editores dos jornalões contam. Pois a reportagem em si mostra que nenhum político do PT era citado naquelas denúncias e muito menos o então presidente Lula, sendo que alguns dos principais partidos de oposição são relacionados ao escândalo: PSDB, DEM e PPS. A foto era referente à outra matéria que não tinha nada a ver com a manchete: Lula discursava em um evento comemorativo dos 65 anos da Polícia Federal. Para a imensa maioria, no entanto, ficou marcada apenas a associação: Lula = corrupção. Isso há seis anos já era uma estratégia recorrente da mídia hegemônica. Mas tem gente do governo, governo que durante todo este tempo fez muito pouco para enfrentar o monopólio midiático, que agora está “surpresa” com o estrago na imagem do PT.
A fictícia liberdade de expressão na mídia
“Liberdade de expressão” é uma das ficções mais repetidas pela mídia, ao falar sobre si mesma. É mais ou menos como se o Bolsonaro se auto definisse como um sujeito despido de preconceitos. Discurso matreiro destinado a acalentar bovinos. Com a palavra, Lênin: “Os capitalistas denominam de liberdade de imprensa a liberdade de suborno da imprensa pelos ricos, a liberdade de usar a riqueza para forjar e falsear a chamada opinião pública”. O jornal O Estado de Minas nos fornece outro exemplo clássico. Na madrugada do dia 17 de abril de 2011, um domingo, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi parado em uma blitz da Operação Lei Seca, na Avenida Bartolomeu Mitre, no Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Com a carteira vencida, o Senador recusou-se a fazer o teste do bafômetro – considerada uma infração gravíssima – e alegou não saber que a carteira estava vencida. Não é preciso ser jornalista para saber que isto é uma matéria de repercussão nacional. Afinal, envolve um senador da república, já considerado naquela época como possível presidenciável, presumivelmente embriagado e andando com carteira de habilitação vencida. A notícia tem ainda mais relevância em Minas Gerais, base eleitoral do envolvido no fato. Mas em Minas Aécio mantém a mídia sobre forte cabresto. Nada, ou quase nada negativo sobre o PSDB ou sobre Aécio é publicado enquanto que aos adversários do senador são reservadas doses diárias de ataques. Durante todo o dia 17, os “blogs sujos” especulavam sobre como a notícia seria dada pelo principal jornal de Minas (Estado de Minas), um perfeito representante da nossa mídia hegemônica, “órgão oficial” do PSDB em Minas. O Conversa Afiada chegou a fazer uma “capa” fake, tentando adivinhar a manchete do Estado de Minas na segunda-feira (acima). Mas a realidade superou até mesmo a ironia. Veja, abaixo, a capa real do jornal no dia 18 de abril.
Como dizia Gramsci
Sobre a mídia hegemônica, cada vez mais se impõe como um dos centros vitais da atuação dos militantes, o chamamento de Gramsci: “É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade”.
Colabore com o Notas Vermelhas: envie sua sugestão de nota ou tema para o email wevergton@vermelho.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário