Lagarto da caatinga é dispersor de sementes e polinizador ao mesmo tempo.
Uma única espécie de animal da caatinga é dispersora de sementes e polinizadora ao mesmo tempo, num caso raríssimo conhecido pela ciência como duplo mutualismo. A planta beneficiada é um tipo de coroa-de-frade que, assim como o o lagarto em questão, é endêmico desse bioma, ou seja, não ocorre em nenhuma outra área natural do País nem do mundo.
Mutualismos duplos, explicam os autores da descoberta, costumam ser relatados apenas em ilhas, habitats pobres em diversidade animal. "Em ambientes insulares, as plantas podem usar mais os poucos animais disponíveis e, consequentemente, evoluir para duplo mutualismo", explica a botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Isabel Cristina Machado. Segundo ela, em área continental, é o primeiro registro no mundo desse tipo de fenômeno biológico.
O mais comum, explica a pesquisadora, é uma espécie animal ser dispersora de sementes ou polinizadora e quase nunca as duas coisas ao mesmo tempo. No caso do lagarto-de-lajedo, ele come os frutos do cacto de manhã e, à tarde, quando as flores da planta desabrocham, lhes suga o néctar.
A ação dispersora se dá quando, após digerir o fruto, o lagarto elimina pelas fezes as sementes, facilitando a germinação em locais distantes da planta-mãe.
Já a polinização ocorre no momento da visita às flores. O pólen, que guarda o gameta masculino e é produzido numa parte da flor chamada estame, fica agarrado no focinho e cabeça do réptil. Os femininos se encontram nos óvulos, na parte interna da flor, num órgão denominado gineceu.
"Ao beber o néctar de outra flor, ele involuntariamente transporta o pólen, permitindo a reprodução", explica a ecóloga Vanessa Nóbrega Gomes, que registrou os hábitos do lagarto para sua dissertação de mestrado em biologia vegetal pela UFPE, apresentada recentemente.
No néctar, esse lagarto de aproximadamente 20 centímetros encontra uma energética mistura de água e açúcares. "Com a escassez de água na caatinga, buscar esse recurso é uma forma de matar a sede e não apenas de matar a fome", infere Isabel, professora do Departamento de Botânica da universidade.
Mesmo porque o lagarto-de-lajedo não come apenas frutos e suga o néctar das coroas-de-frades. Ele é onívoro, incluindo na sua dieta invertebrados como artrópodes, a exemplo de aranhas, e formigas. Na flor rosa-choque da coroa-de-frade, também característica de afloramentos rochosos, o lagarto-de-lajedo costuma ainda devorar pétalas.
O hábito, denominado de herbivoria pelos cientistas, pode ser prejudicial à planta, uma vez que danifica o principal atrativo delas para os polinizadores. O principal deles não é essa lagartixa, e sim os beija-flores. "É uma possibilidade que merece investigações futuras", afirma a botânica.
Para desempenhar a função de polinizador e dispersor das sementes do cacto, o lagarto desenvolveu habilidades para se livrar dos espinhos. "Ele se desloca tão rapidamente que uma visita não dura mais que nove segundos", detalha Vanessa.
Em cactos colunares, como o xique-xique, gasta mais tempo. "O coroa-de-frade é globuloso, ocorrendo no nível do solo, enquanto os colunares são mais altos", ensina Isabel Cristina. Em média, alcança os frutos em 12 segundos. Como o animal tem hábitos diurnos e a flor do xique-xique desabrocha à noite, com esse cacto ele não mantém mutualismo duplo.
A pesquisadora desenvolveu o trabalho de campo entre 2009 e 2011, na Fazenda Almas, no município de São José dos Cordeiros, no Cariri paraibano. O estudo contou com a colaboração da professora da Universidade Federal da Paraíba Zelma Glebya Quirino.
Abaixo, infográfico da Editoria de Arte do JC. Para visualizar o documento clique na barra do quadro, no último ícone à direita, e ESC para retornar.
fonte: Publicado no Jornal do Commercio, em 17 de março de 2013.
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