(Sandro Ferreira)
O Congresso aprovou, a presidente homologou e o projeto da deputada Janete Capiberibe agora é lei: Chico Mendes é patrono do meio ambiente brasileiro. A homenagem é adequada, Chico tem posição ímpar entre os defensores do meio ambiente e tornou-se símbolo mundial da luta dos povos contra a devastação.
Está aí, entretanto, o detalhe cuja profundidade poucos alcançam. Chico Mendes falava da planície, da floresta, do meio da sociedade civil. Diferente do ambientalismo clássico que muitas vezes reforça a oposição entre homem e natureza, foi um dos fundadores do socioambientalismo, incluindo a experiência e a luta das comunidades tradicionais que, na Amazônia, se identificavam como povos da floresta.
Aos homens e mulheres “de Estado” é difícil, no sistema político atual, ouvir até mesmo as estridentes vozes das ruas, quanto mais as do campo e da floresta, muitas vezes caladas pela violência dos que detêm fatias consideráveis desse mesmo Estado. Aí estão os protestos indígenas contra a maioria do Congresso que dificulta a demarcação de suas terras. É grande a resistência dos movimentos sociais contra o retrocesso nas leis e na gestão ambiental. E são incontáveis as manifestações de insatisfação das populações urbanas, castigadas por catástrofes que são mais políticas do que ambientais, tão evidente se tornou o descaso, a falta de planejamento e o mau uso das verbas para a prevenção.
O Estado faz-se de surdo. Nesta semana, 42 organizações assinaram nota questionando a falta de representantes da sociedade no Conselho Nacional de Política Energética, que decide em gabinete fechado, privilegia projetos de alto impacto socioambiental e, no interesse de megaempresas, despreza as fontes alternativas de energia limpa.
Permanece viva em minha memória a imagem de Chico Mendes, com projetos de desenvolvimento comunitário nas mãos, nos corredores das instituições, pedindo apoio de cientistas, ambientalistas, sindicatos, partidos políticos, órgãos de governo. Chico ouvia a todos, buscava o diálogo, valorizava a informação e unia a ciência aos conhecimentos tradicionais das comunidades. Não se afastava dos companheiros da floresta, com quem mantinha relação não apenas de fraternidade mas também de respeito à democracia no debate e nas decisões.
Sei que o sentimento profundo do povo é de concordância e gratidão pela homenagem do Estado brasileiro ao líder seringueiro, mas, ao mesmo tempo, de severa crítica, pois os 25 anos da morte de Chico se dão em meio a um grande retrocesso na política ambiental. Talvez seja necessário esperar que uma nova geração de governantes faça valer na prática a homenagem que hoje é apenas simbólica.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve todas as sextas-feiras em sua coluna no jornal Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário