domingo, 29 de dezembro de 2013

REFLEXÃO DE FINAL DE ANO: Fernando Heredia: Sete desafios para os jovens da América Latina


O tema sobre o qual me pediram para falar me parece muito procedente, porque junto ao conhecimento e a confraternização entre os participantes, as ações de solidariedade e demais atividades, estes festivais são também espaços em que se analisam e debatem questões fundamentais para os jovens que trabalham pela criação de um mundo de justiça e liberdade para todos.

Por Fernando Martinez Heredia*


Eu quisera expor sete desafios que em minha opinião os jovens da América Latina e do Caribe devem enfrentar. Sem dúvida, há mais desafios e a formulação geral não pode ter em conta os âmbitos específicos que condicionam a identificação das realidades, os modos de compreender e sentir, as contradições e os conflitos que são enfrentados, os objetivos e instrumentos que são priorizados. Serei sintético, como é necessário em face do tempo de que disponho.


Primeiro desafio. Os jovens têm características gerais como tais que nunca devemos esquecer; elas são sempre importantes, e podem chegar a ser decisivas. Mas não existem os jovens em geral. O primeiro desafio parte da realidade de que uma grande parte dos jovens de nosso continente enfrentam todos os dias o desafio de sobreviver e encontrar um lugar no mundo. Passam fome ou carecem de alimentação suficiente, de serviços de educação e saúde, de emprego, e vivem no seio de famílias em estado de precariedade. Sofrem o trabalho infantil, a delinquência dos pobres, a prostituição e o consumo de drogas baratas. Esses jovens não estão aqui, não conhecem o que fazemos nem os nossos escritos – muitos não poderiam lê-los –, nem é provável que lhes interessem. Não votam, porque não sentem como sua a política existente em seus países. Por conseguinte, muitos podem ser considerados culpados pela vida que levam, se algumas necessidades mais peremptórias são resolvidas pelos outros.

O primeiro desafio diante de nós é romper essa terrível divisão, que é uma das maiores forças dos inimigos da humanidade. Devemos ir a eles, conhecê-los realmente em vez de crer que os representamos, acompanhá-los em suas vidas e seus afãs, a fim de ajudá-los a ser rebeldes e lutar por ideais, conquistar o direito ao conduzi-los no prolongado e difícil processo de mudar suas vidas e as sociedades de exploração, desigualdades, exclusão e opressão.

Segundo desafio. Conseguir combinar as tarefas e as satisfações pessoais – o amor, o trabalho, o estudo, as inclinações particulares – com os interesses cívicos, com a necessidade de conhecer o mundo em que vivemos e seus problemas. Dar lugar em nós a ideais que fazem crescer as dimensões humanas e brindam uma riqueza pessoal que transcende, e conseguir governar a esfera dos egoísmos. Ir mais além das reações esporádicas diante dos incidentes e dos entusiasmos efêmeros.

Terceiro desafio. Tomar consciência das chaves fundamentais do sistema capitalista e a maneira de viver que este gera, difunde e mantém. Conhecer seus fatos, seus instrumentos, sua criminalidade desapiedada, sua conversão dos indivíduos em agressores entre si e em indiferentes diante das desgraças alheias. Conhecer as funções sociais de dominação que cumprem os atrativos que na realidade o capitalismo possui, e que esse sistema constitui um complexo orgânico, o qual permitirá situar-se melhor ante suas manifestações. Sair do controle que exerce seu sistema de informação, formação da opinião pública, entretenimento e gostos. Pensar as contradições e os conflitos, e buscar suas causas. Mas não basta conhecer: na realidade os sentimentos que concentram energias e fomentam motivações, e que desatam atitudes e ações, são tão importantes como as ideias e os conhecimentos.

Quarto desafio. Viver a consciência que se está adquirindo como um conjunto de ideais, convicções e ideias que levam à ação. Reunir as capacidades pessoais, a necessidade de participar em causas justas, os desejos de gozos e satisfações, os impulsos de rebeldia, os conhecimentos que se adquirem, para integrar com o conjunto uma jovem ou um jovem consciente e rebelde.

Quinto desafio. Dar permanência a essas transformações conquistadas e transformá-las em guia dos juízos e motor da atividade, tanto da vida cotidiana como das jornadas transcendentes. Quer dizer, aprender a lutar e a ser militante revolucionário.

Sexto desafio. Pôr uma grande parte de seus esforços, capacidades e sentimentos dentro de um coletivo, o que implica ceder uma parte do arbítrio e da liberdade do indivíduo, ao mesmo tempo que pode criar um instrumento organizativo que multiplique as forças e as qualidades de cada um e as possibilidades de vitória. As organizações revolucionárias não são uma panaceia: suas realidades e sua história o demonstram claramente. Por isso, precisamente, não temer entrar nelas constitui um desafio para os jovens revolucionários, e ainda maior é o desafio de estar dentro delas não para perder qualidades e assumir rituais vazios, mas para contribuir a transformá-las em novas organizações capazes de ser realmente revolucionárias. O desafio está em compreender que a organização e a política são indispensáveis, e a partir dessa compreensão e da atuação consequente inventar novas formas revolucionárias eficazes de fazer política.

Sétimo desafio. Praticar a solidariedade como primeira lei das relações humanas e sociais. Ao atuar e pensar em política, o conteúdo concreto do meio em que cada um vive e se movimenta serão determinantes, e, por conseguinte, deve ser priorizado. Mas não podemos esquecer em nenhum momento as questões mais gerais, suas características e suas implicações e os condicionamentos a nossa ação: ter em conta o movimento em seu conjunto. O capitalismo conseguiu universalizar-se e universalizar sua cultura, e esgrime com grande força essas suas conquistas contra a humanidade e o planeta. Mas nos ensinou, primeiro, que podíamos ter dimensões universais para enfrentá-lo, e depois, que somente universalizando nossos combates contra ele e pela criação de sociedades livres e justas seremos capazes de fazer permanentes nossas conquistas e chegar a vencê-lo.

Ser internacionalista é triunfar sobre um desafio vital. O colonialismo foi o modo criminoso e devastador que o capitalismo encontrou para nos mundializar, a libertação nacional anti-imperialista é a lei da criação de novos seres humanos e de sociedades livres. A união do patriotismo com o internacionalismo é o caminho seguro para que esse processo de criação não possa ser detido nem derrotado. É forjar a dimensão que nos une através e por cima de todas as diferenças e todas as fronteiras.

Termino invocando um indivíduo cujo nome e rosto são como um esperanto para nossas línguas e um denominador comum para nossos ideais, porque conseguiu triunfar sobre todos os desafios, ascender ao escalão mais alto da espécie humana e deixar para todos nós um legado inestimável de exemplos, ações e pensamento. Ernesto – que possuía uma beleza física e uma inteligência ostensivas – quis ser profissional, como era possível a um jovem de seu meio social, mas ao mesmo tempo entregar-se aos mais desvalidos e curar leprosos no Peru ou na África. Leu romances desde criança e filosofia e tratados políticos desde adolescente, abrigou o desejo de conhecer Paris, mas caminhou ao longo de seu continente para conhecer os povos oprimidos e acendrou uma vocação de entregar-se a eles. Uma noite encontrou seu destino com Fidel e a guerra cubana e soube tomar a decisão mais importante antes do dia seguinte nascer. Deu um prodigioso salto adiante mediante a prática revolucionária consciente e organizada, avanço tão grande que até mudou de nome. O Che foi um dos maiores e mais amados dirigentes da Revolução cubana, mas soube deixar seus cargos e voltar ao combate internacionalista, até dar sua vida como comandante cubano e latino-americano.

Recordemos sua grandeza de revolucionário e seu tranquilo otimismo quando, no momento de outra decisão transcendental de sua vida, escreveu a Fidel, escreveu a todos nós: até vitória sempre.

*Filósofo e ensaísta cubano, Prêmio Nacional de Ciências Sociais. Intervenção na atividade da Rede das Redes em Defesa da Humanidade, durante o 18º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, Quito, Equador, 12 de dezembro de 2013. 

Fonte: Cubadebate / Blog da Resistência [www.zereinaldo.blog.br/]


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