Por Francisco Fonseca, no site Carta Maior:
A admissão do processo de impeachment da presidente Dilma, formalmente deflagrado em 03 de dezembro é o desfecho esperado de uma conjunção de fatores:
1) A derrota eleitoral do PSDB – a quarta consecutiva, nunca é demais relembrar – e do rentismo deletério que representa, o que vem implicando toda sorte de revanchismo antidemocrático
2) ascensão do carbonário deputado Eduardo Cunha, representante do que há de mais escuso na vida “pública”, com seu séquito do “baixo clero” que tem no Congresso um balcão de negócios;
3) Da saída às ruas (e do armário) da direita – com tonalidades protofascistas – proveniente das classes médias superiores, incomodada com a ampliação dos direitos sociais;
4) Do terror apocalíptico promovido pelo Partido da Imprensa Golpista (o conhecido PIG), jamais enfrentado por qualquer governo;
5) Das contradições econômicas do próprio Governo Dilma, notadamente o antissocial e o antidesenvolvimento “ajuste fiscal” levado a cabo por um neoliberal de carteirinha, e, em termos políticos, da tentativa de manutenção da esgarçada “aliança de classes” expressa na lógica da coalizão;
6) Da histórica “lógica privatizante” do Sistema Político brasileiro: financiamento legal e ilegal de campanhas e partidos, igualmente jamais reformado;
7) Da obtusa “Operação Lava Jato” quanto às ilegalidades constitucionais (notadamente prisões sem motivações legais); ao “mercado das delações premiadas”; à ilegalidade de grampos no cárcere de Curitiba com o consequente “mercado” das gravações; à seletividade de julgamentos (e de vazamentos ao PIG); e ao fato de delegar a um juiz de primeira instância tamanho poder; entre outras.
Esse conjunto de fatores torna a conjuntura altamente complexa e fluida, com movimentos e contramovimentos de lado a lado: esquerda, legalistas, progressistas e desenvolvimentista versus direita, golpistas, neoliberais e rentistas. Isso tudo com o apoio ingênuo de um sem-número de “inocentes úteis”, muitos dos quais foram às “manifestações conservadoras” promovidas e apoiadas por imorais em nome da moralidade!
Nesse contexto, o ambiente político brasileiro – institucional e social – vem sendo tumultuado e polarizado por forças conservadoras e reacionárias, tal como na Venezuela. Um sem-número de “Capriles” parece povoar nosso ambiente! Isso tudo sem Chaves, chavismo, bolivarianismo e reformas radicais!
Pois bem, a admissibilidade do processo de impeachment – deve-se considerar que o processo tem um longo caminho entre Câmara e Senado e STF – cada vez mais se assemelha com o que se deu no Paraguai com a derrubada do presidente Lugo. A “peça” produzida pelos “juristas” Reali e Bicudo, encomendada pelo PSDB com a “consultoria” de Gilmar Mendes, lida em plenário pelo “pré-cassado” (quiçá preso) Eduardo Cunha é um “faz-me-rir” jurídico. Os “argumentos” elencados – sem estofo – seriam suficientes para enforcar qualquer um num regime de exceção que nos remete a Kafka.
Diferentemente da opinião majoritária, não se tratou de “chantagem” de Cunha, pois independentemente da posição do PT o presidente da Câmara levaria o processo de impeachment a cabo, uma vez que sintetiza a reação não apenas à presidente Dilma e ao PT, e sim aos direitos sociais, trabalhistas e civis, que implicam varrer a esquerda e a agenda progressista e civilizatória: não foram esses os objetivos do PDS, depois PFL, depois DEM...e agora PSDB?
Trata-se, pois, de forças econômicas e sociais catalisadas por Cunha, isto é, da luta de classes com todas as modulações aí implicadas. Mais ainda, trata-se de redefinição – tal como está ocorrendo na Argentina neste exato momento e de longa data na Venezuela – política, econômica, social e internacional.
Derrotar os golpistas é impedir a “paraguaização política” da sociedade brasileira, consolidar o Estado de Direito Democrático e a democracia política e SOCIAL brasileira, numa perspectiva de inclusão social e internacional. Especificamente quanto à América Latina, o que ocorrer no Brasil terá enorme impacto no subcontinente.
Por tudo isso, nunca a ação de “ir às ruas” e “ocupar democraticamente os espaços públicos” foi tão importante como agora. Trata-se, com a derrota do golpismo – impedindo o impeachment –, do estabelecimento de nova correlação de forças que permitirá ao Governo Dilma de fato governar, e “virar à esquerda” com políticas econômicas progressistas e com reformas político/institucionais que sejam radicalizadoras da democracia, movimento que constrangerá o Congresso conservador a novas pautas. Poderá ser um “novo governo”, tal como o foi, guardadas as realidades distintas, o Governo Lula pós Dirceu/Palocci.
O mote da “crise como parteira da história” nunca foi vigente como nos dias de hoje. A chance de derrotar a direita – social e institucional –, reformar as instituições no sentido de aprofundar sua democratização e combater os poderes tradicionais (agronegócio, rentismo, mídia, entre inúmeros outros), renovando as políticas públicas, nunca esteve, paradoxalmente, possibilitado de maneira tão vigorosa como agora.
Depende, para tanto, dos embates e da articulação dos movimentos sociais, da defesa da legalidade pelas instituições democráticas e do amplo campo democrático. Ao PT e ao Governo Dilma caberão, como não poderia deixar de ser, papeis cruciais nesse processo, superando suas erráticas trajetórias recentes, o que implicará “virar à esquerda” se quiserem continuar relevantes na história brasileira.
A ver!
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