Teresa em três estações, uma novela para refletir as mudanças na Venezuela
Estreia, na Venezuela, a novela Teresa em três estações, que pretende refletir a vida do povo e transmitir valores socialistas e provoca comichões na mídia conservadora
Por José Carlos Ruy
Que as telenovelas influenciam o gosto popular, fomentam comportamentos, difundem valores e moldam maneiras de ser que vão desde a linguagem do dia a dia até a moda, os trejeitos e mesmo o pensamento político, ninguém que conheça a experiência brasileira de telenovelas pode negar.
A lista de novelas com “conteúdos” aceitáveis pelos grandes monopólios é imensa. Ela inclui, só para citar alguns casos, desde Sassá Mutema, de Salvador da Pátria (1989), exibida justamente no ano em que Lula concorreu à presidência da República pela primeira vez, candidatura vilipendiada pela Globo, até Dancin’ Days (1978), com o tema da liberação sexual; O Rei do Gado (1996) que, de maneira canhestra, abordou o tema da reforma agrária e o MST; Mulheres apaixonadas (2003) e questões como o homossexualismo feminino, a violência urbana, a discriminação contra os idosos, cujo Estatuto tramitava no Congresso Nacional. E por aí vai... Não há novela sem uma mensagem, clara ou implícita, que influencie desde os hábitos cotidianos até mesmo, em muitos casos, as opiniões políticas do espectador.
No artigo A novela nossa de cada dia (Canal da Imprensa: ver aqui) o estudioso Fernando Torres constatou a força da influencia das novelas no comportamento, que são usadas “para transmitir valores morais, éticos e de cidadania”; questiona: “O problema é: quem define o que é bom?”
Se esta é uma questão que se coloca no caso das telenovelas veiculadas pelos monopólios privados, ela provoca urticárias conservadoras quando se trata de tevês públicas e que procuram, da mesma maneira, transmitir outros valores para a população.
A ironia, e as reservas, com que a novela venezuelana Teresa em três estações foi recebida é um exemplo desse julgamento parcial, e viciado, com que a mídia hegemônica avalia as produções que escapam a seu controle - que é, como Marx já registrou muito tempo, o controle das ideias e do imaginário comandado pela classe dominante: as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante, escreveu ele em meados do século 19).
Como foi Hugo Chávez quem teve a ideia (era um sonho dele, chegam a dizer), atribuem a ele a iniciativa da produção de Teresa em três estações; condenam seu financiamento pela PDVSA, a Petrobrás venezuelana (mas aceitam dinheiro público gasto em publicidade na tevê privada!), acusam a produção e transmissão daquilo que chamam, com desprezo, de “telenovela socialista”, pelo canal estatal Televisora Venezuelana Social (TVes), que ocupou o lugar da privada RCTV, cuja concessão não foi renovada em 2007 devido às inúmeras ilegalidades que seus proprietários cometeram, entre elas o claro comprometimento com as tentativas golpistas na Venezuela, desde o golpe de 2002 que chegou a fazer Chávez prisioneiro, e só foi derrotado depois da pronta e forte reação popular em defesa do presidente.
A trama aborda a história de três mulheres trabalhadoras usuárias da ferrovia de Vales do Tuy, que liga Caracas com cidades vizinhas - uma mãe solteira, uma estudante de arte e uma condutora de trens. A produtora Delfina Catalá logo aderiu à ideia para produzir esta novela que teve o orçamento de quatro milhões de dólares financiado pela Comissão de Telecomunicações.
Seu objetivo é romper com os lacrimejantes valores tradicionais veiculados por programas desse tipo.
Novela socialista? Delfina Catalá explica, a partir de sua ampla, e longa, experiência nas televisões espanhola e francesa: "Na medida em que vocês entenderem que os valores socialistas incluem a solidariedade e o privilégio ao bem comum, esta será uma telenovela socialista".
Chávez: "vou pedir novelas diferentes das capitalistas"
Homem de comunicação, além de político e chefe militar, Chávez não oculta seu entusiasmo. "Pensei nisso há muito tempo. Sempre observei a necessidade de utilizar este gênero, a telenovela, como o conto, o filme e o documentário, para se expressar e se comunicar com o público", disse.
Sua intenção é despertar o interesse desse público, e acrescenta: "Vou pedir que façam telenovelas diferentes das capitalistas, assim como as que são exibidas em Cuba, que contam com conteúdo social".
Mas seu papel não passou da sugestão, garantiu a diretora Delfina Catalá rm uma entrevista ao portal da TVes (aqui). “Os produtores independentes, digamos, nos sistemas de produção convencionais, tradicionais, centro dos canais privados, são serviços de produção. Em um serviço de produção você põe suas mãos, mas não põe sua alma, não pôe sua cabeça”. É o contrário do que ocorreu na produção de Teresa em três estações. “Neste momento os projetos saem de nós, se realizam e são levados a cabo graças a nós mesmos, e a plataforma que nossos companheiros do Estado nos dão é uma plataforma de confiança, de apoio e de continuidade. Isto é, falar de produção nacional independente na Venezuela não é apenas formal, é realmente produção independente, é a capacidade de tomar decisões, de criação e autoria”.
Teresa em três estações incorporou ao elenco uma mas mais queridas atrizes da Venezuela, a veterana Rosario Prieto, de 70 anos de idade e que atuou na RCTV desde os 17 anos. Ela faz o papel de mãe de uma das protagonistas. Ela aceitou participar, mesmo não sendo chavista; ao contrário, é uma crítica do governo. "A mim não me dizem que a telenovela é da TVes porque, se me pedirem para dizer isso, eu digo não”, disse. “Não porque eu tenho algo contra, mas porque eu sou imagem de um canal que foi fechado pelo governo". Mas aceitou participar da novela “socialista”. "Apesar de termos opiniões politicamente diferentes, me sinto feliz de voltar a me ver na tela", explicou.
Rosario Prieto: não é chavista mas aceitou participar
A conservadora mídia hegemônica pouco se incomoda quando as novelas, e os programas de tevê sob seu controle transmitem valores conservadores, mesmo que sejam preconceitos ou valores degradantes. Mas esta mesma mídia considera uma “violência” quando se trata da difusão de valores construtivos, baseados na solidariedade e na cooperação, fugindo à vulgaridade consumista e individualista costumeira. Acusam Chávez de querer “não qualquer telenovela, mas aquelas com mensagem”, que tenham “conteúdo social”.
É uma luta de ideias que, tudo indica, começam a perder. A diretora Delfina Catalá, que se confessa orgulhosa pelas mudanças que a Venezuela vive, só quer “refletir a época que este país que se move está vivendo”, disse. E quer transmitir “valores morais ligados com a construção do homem novo”. Os comentaristas conservadores acusam este modelo de “claramente dirigista, com pouco espaço para a crítica ao poder e a livre criação fora dos cânones estabelecidos”.
Hipocritamente esquecem o dirigismo privado dos monopólios empresariais da mídia, onde aquilo que chamam de “livre criação” se resume, na verdade, à reprodução da vontade e dos valores ideológicos e políticos dos patrões. Cabe ao público venezuelano decidir, ligando ou desligando seus receptores de tevê, se Teresa em três estações reflete adequadamente suas vidas, seus valores e as mudanças que seu país vive. Tudo indica que será um sucesso, apesar do mau humor da mídia conservadora dominante.
Delfina Catalá: novela com o coração e a cabeça
É a expectativa da produtora Delfina Catalá. “Esta produção rompe com os padrões tradicionais e se conecta com a realidade das venezuelanas e dos venezuelanos. Vamos nos ver a nós mesmos, venezuelanos, em um espelho que, verdadeiramente, vai refletir a épica que o país está vivendo, que se move, que está em movimento”.
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