Começou na manhã desta quarta-feira (27) o seminário “Desenvolvimento e Integração da América Latina”, em Santiago do Chile. O encontro é realizado pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e pelo Instituto Lula.
Ex-presidente participa do seminário “Desenvolvimento e Integração da América Latina”, em Santiago do Chile| Foto: Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
“Nosso desafio é construir um pensamento estratégico latino-americano e, a partir dele, um projeto integrador mais ousado, que aproveite essa potencialidade histórica”, afirmou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso. Ele falou junto com o ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos, na mesa intitulada “América Latina, um compromisso com o futuro”.
Lula ressaltou que muito foi feito nos últimos anos no caminho da integração. Ele lembrou a difícil reunião de Cuzco, em 2004, quando as divergências regionais eram gigantescas, mas foi possível construir o importante marco da criação da Unasul. O ex-presidente afirmou que ainda há muito a ser feito e que o ímpeto pela integração não pode ser perdido. “Não se faz integração se não houver convencimento político dos governantes e da máquina burocrática”.
Para Lula é essencial aproximar a integração do cotidiano das pessoas e não deixar que ela seja apenas uma coisa burocrática. Neste sentido, ele destaca a importância de os parlamentos nacionais se engajarem “no processo, criando comissões e instâncias mais eficazes para o trâmite dos acordos diplomáticos”. O ex-presidente avalia que este passo é essencial para evitar que grandes reuniões internacionais não resultem apenas em uma foto oficial.
O custo da não integração
“Quanto custa atravessar um oceano para vender um produto que teria mercado no país vizinho, se houvesse uma boa estrada até este centro consumidor? Quanto custa fazer comércio com divisas internacionais, se podemos usar mecanismos de compensação entre países, como estamos aprendendo a fazer? Quanto custa consumir a música, o cinema a produção cultural de países distantes, quando sequer conhecemos a beleza e a diversidade do que fazem nossos vizinhos?”, questionou Lula.
O ex-presidente reafirmou que as dificuldades muitas vezes aparecem, mas que é preciso pensar nas consequências que as ações de integração têm para a região. “Sempre que alguém apontar as dificuldades e os custos de financiamento de cada projeto comum, devemos nos indagar qual é o custo de não promover a integração”.
Do Atlântico ao Pacífico
O ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos, destacou que uma importante mudança está em curso no mundo: a mudança de eixo do Atlântico para o Pacífico. Ele ressaltou que essa é uma transformações importantes e que não se pode pensar separadamente as políticas de integração relativas aos dois oceanos.
Lagos ressaltou que há uma tentativa de criar políticas separadas para os países do Pacífico e do Atlântico, mas que isso não faz sentido. “Que eu saiba o México está no Pacífico e no Atlântico (…) O Brasil deve participar das negociações do Pacífico. A Europa participa das do Atlântico e que eu saiba Itália está no Mediterrâneo”. O ex-presidente ressalta que essa visão geográfica impacta diretamente o processo de integração: “Querem nos impor uma visão geográfica do século 19”.
Ricardo Lagos foi enfático ao afirmar que ao países latino-americanos têm interesses comuns na ordem mundial que está se desenhando e que, por isso, precisam estar unidos para construir a melhor alternativa.
Antes dos dois ex-presidentes, falaram os dirigentes das instituições promotoras do encontro: Alicia Bárcena, secretária-executiva da Cepal; Luis Alberto Moreno, presidente do BID; Enrique García Rodríguez, presidente da CAF; e Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. Okamotto ressaltou a importância da integração para incluir pessoas e construir um ambiente de paz. Ele afirmou que para concretizar a integração é necessário motivar não apenas intelectuais e políticos, mas empresários, trabalhadores, estudantes, movimentos sociais.
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Leia a íntegra do discurso lido pelo ex-presidente Lula (não inclui improvisos):
“América Latina: Um compromisso com o futuro”
É um privilégio contar com a parceria da Cepal, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Comissão Andina de Fomento na realização deste seminário internacional.
Essas três entidades, nascidas da lucidez e da visão política das gerações que nos precederam, cumprem papel insubstituível no desenvolvimento e na integração da América Latina.
Quero agradecer a participação das lideranças governamentais, políticas, sociais e da comunidade acadêmica, que acolheram nosso convite para este momento de reflexão coletiva.
É significativo que nosso encontro se realize neste plenário, que leva o nome de Raul Prebisch – uma referência na trajetória de emancipação da América Latina.
Por esta casa passaram alguns dos mais destacados formuladores do pensamento econômico, social e político latino-americano.
Examinamos suas ideias em novos contextos históricos, sempre desafiadores, buscando preservar o espírito crítico e o olhar transformador sobre os desafios do desenvolvimento.
Hoje somos convocados a debater o processo da integração sul-americana e, de maneira mais ampla, a integração da América Latina e do Caribe.
Estamos trilhando um caminho longo, que exige determinação e perseverança.
Exige o compromisso dos governos para consolidar a Unasul e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe, a Celac, bem como as instâncias de diálogo que estabelecemos com a África, os países Árabes e a União Europeia.
Exige, sobretudo, mobilizar a sociedade civil em nossos países – os sindicatos, movimentos sociais, a Universidade, empresários, artistas – em torno do ideal da integração.
Trata-se de tornar este processo cada vez mais presente no cotidiano dos cidadãos e mais visível para o conjunto das populações. Ampliar sua abrangência para além das pautas comerciais e econômicas.
O verdadeiro sentido da integração contém sua dimensão política e social. Manifesta-se concretamente na ampliação do território dos direitos e das oportunidades de cada cidadão, que não se limitam mais ao seu país.
O bloco regional se consolida quando seus habitantes podem trabalhar em todos os países; estudar, empreender e investir; internacionalizar as organizações sociais.
Quando o cidadão comum se sentir parte integrante e beneficiário direto desse processo, estaremos forjando uma verdadeira vontade popular pela integração; uma nova cidadania, conscientemente internacional.
Meus amigos, minhas amigas,
Na última década, nossos países vêm experimentando crescimento econômico sólido, com distribuição mais justa de resultados, o que jamais ocorreu em conjunto na região.
O PIB da América Latina e do Caribe tem mantido crescimento constante. Em 2012, a taxa foi de 3,1%, — acima da média mundial de 2,2%, e em contraste com centros econômicos mergulhados na recessão ou na estagnação.
O desemprego urbano na região, que alcançava 11,2% em 2003, estava reduzido a 5,6% em 2012. No mesmo período, o salário mínimo teve aumento real de 20% na média dos países latino-americanos.
São dados da Cepal, que também registra a queda da inflação na América Latina, de 8,2%, em 2008, para 5,6% em 2012.
Isso quer dizer que os benefícios do crescimento estão chegando aos trabalhadores e às camadas mais amplas da sociedade, com mais empregos e menos pobreza.
Estes avanços ocorrem num contexto em que se pratica a Democracia desde o Rio Grande até a Patagônia, outra característica sem precedentes em nossa região.
Nosso desafio é construir um pensamento estratégico latino-americano e, a partir dele, um projeto integrador mais ousado, que aproveite essa potencialidade histórica.
Aqui vamos examinar os desafios da integração física, financeira, cultural, política, social, laboral, ambiental, científica, tecnológica, de segurança e direitos humanos.
Precisamos adotar uma visão de longo prazo sobre as questões estruturais do processo de integração. Planejar o futuro com o objetivo de dar um salto de qualidade social, econômico e político em nossa região.
Temos de olhar adiante, para não interromper no meio a longa jornada, conscientes de que vale a pena continuar avançando.
Minha contribuição para este seminário é o testemunho de um ex-presidente do Brasil, que teve o privilégio de participar de momentos decisivos no processo de integração do continente.
Meus amigos, minhas amigas,
Quando assumi a presidência do Brasil, em janeiro de 2003, anunciei o propósito de trabalhar pela integração regional, com base na fraternidade entre os povos e na cooperação para o desenvolvimento.
As primeiras viagens que fiz, logo depois de eleito, foram para a Argentina e o Chile, já preparando o nosso diálogo. E ao longo do governo pude visitar todos os países da América Latina e a maior parte do Caribe. No discurso de posse, recordo-me de ter dito:
“A grande prioridade da política externa, durante o meu governo, será a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social. O mesmo empenho de cooperação concreta e de diálogos substantivos, teremos com todos os países da América Latina.”
Da mesma forma que o Brasil, outros países tinham eleito ou estavam por eleger governos comprometidos com o desenvolvimento e a redução das desigualdades.
Foi a resposta política ao fracasso de modelos que arruinaram a economia de muitos países e agravaram problemas históricos como pobreza, fome e desemprego.
Para recordar a perspectiva daquele período, em 2003 ainda estava em debate a formação da Alca, uma proposta que tendia a aprofundar, ao invés de superar, as assimetrias econômicas e sociais entre nossos países.
O Brasil tomou, portanto, uma decisão política, ao priorizar a integração sul-americana.
Esta decisão se revelou sintonizada com o sentimento da maioria dos países vizinhos. Dois anos depois, a Cúpula das Américas de Mar del Plata rejeitou a proposta da Alca.
No caso brasileiro, a estratégia da integração passou pelo fortalecimento do Mercosul. A partir de inciativas de outros países e blocos, rapidamente estabeleceu-se um diálogo construtivo em toda a América do Sul, estendendo-se à América Latina e ao Caribe.
Os primeiros resultados dessa estratégia refletiram-se, naturalmente, na ampliação do comércio.
Em 2002, o comércio intra-regional na América do Sul totalizava 33 bilhões de dólares. Em 2011, já havia alcançado 135 bilhões, quatro vezes mais.
No mesmo período, o comércio entre países da América Latina e Caribe passou de 49 bilhões de dólares para 189 bilhões de dólares, de acordo com a Cepal.
Olhando tão-somente esse aspecto, já acumulamos considerável ganho estratégico para toda a região. A diversificação dos mercados, com novas possibilidades para exportar e importar, tornou nossas economias menos vulneráveis nas disputas do comércio global.
Apesar dos avanços, ainda estamos muito aquém do potencial de comércio intra-regional, que representa cerca de 20% das nossas transações com o mundo, menos da metade do índice entre os países da Europa e os da Ásia.
Esta é uma das consequências de termos vivido tanto tempo de costas uns para os outros. Embora vizinhos na geografia e irmãos nas origens, nossos países passaram séculos olhando para fora, mirando o Norte e os oceanos.
Mas a intensificação do comércio abriu novos caminhos para a troca de investimentos, o que nos permite pensar mais longe, na integração de cadeias produtivas, essencial para o desenvolvimento compartilhado.
Apenas a título de exemplo, citando nossos anfitriões, o Chile tem 12,9 bilhões de dólares investidos no Brasil, o que representa 20% do investimento chileno no exterior.
Empresas chilenas atuam nos setores de celulose, energia, finanças e comércio, dentre outros, gerando 38 mil empregos no meu país.
Mais de 70 empresas brasileiras estão presentes hoje no Chile. E há empresas argentinas na Colômbia, colombianas no México, venezuelanas no Caribe, e assim por diante, gerando empregos e integrando a produção.
Meus amigos, minhas amigas,
A ampliação do comércio e a troca de investimentos entre nossos países resultam de um processo continuado de construção de confiança.
Posso garantir que não foi uma tarefa fácil, e que não teria sido possível sem a firme vontade política dos companheiros presidentes com os quais tive a honra de trabalhar em meu período.
[Citação de ex-presidentes]
Nosso passo político mais importante foi a criação da Unasul, a partir da reunião de presidentes sul-americanos em Cuzco, no Peru, em dezembro de 2004.
Pela primeira vez nossos países se lançaram num projeto político comum, partindo da nossa realidade e dos nossos propósitos específicos.
Do ponto de vista institucional, a Unasul simboliza a união dos nossos destinos e é a nossa identidade aos olhos do mundo.
A Unasul mostrou-se à altura de sua responsabilidade política. Sempre que foi convocada, construiu soluções pacificadoras para conflitos entre países e ajudou a superar tensões internas, como todos aqui devem se recordar.
Mostramos ao mundo, e principalmente a nós mesmos, que somos capazes de dialogar e construir soluções para os nossos próprios problemas.
Devo destacar que um dos primeiros desdobramentos da Unasul foi a criação do Conselho de Defesa, assegurando um território de paz, livre das armas de destruição em massa e das guerras, uma comunidade em que não se cultiva o ódio político, racial ou religioso.
Isso foi possível porque estabelecemos uma relação de confiança, baseada no respeito à soberania e no reconhecimento mútuo de governos eleitos democraticamente, qualquer que seja sua orientação política e ideológica.
A democracia é elemento central nas nossas relações, consagrada nos documentos fundadores da Unasul e da Celac.
Os governos de nossos países podem divergir em muitas questões, mas todos expressam a manifestação soberana das urnas, no marco de constituições legítimas.
Nossa geração guarda a memória de tempos sombrios, quando nem as ideias nem as pessoas eram livres. Sabemos o quanto custou reconquistar a democracia.
Por isso, a democracia é um valor nessa região que cresce e melhora as condições de vida de sua população, como em nenhum outro lugar do mundo neste momento.
Para introjetar este valor no processo de integração, é muito importante consolidar e regulamentar o funcionamento dos nossos parlamentos internacionais.
Cabe a eles examinar as questões concretas da integração, desde os direitos laborais até as relações comercias. Desde o respeito aos direitos humanos até o compartilhamento de tecnologias.
Estas representações serão mais legítimas na medida em que se aproximarem do cotidiano dos cidadãos. Do contrário, sua existência torna-se burocrática.
Da mesma forma, os parlamentos nacionais devem se engajar no processo, criando comissões e instâncias mais eficazes para o trâmite dos acordos diplomáticos.
A experiência me ensinou que não basta firmar acordos e anunciar decisões em cúpulas presidenciais. Não raro, depois que os presidentes retornam aos seus países, a foto oficial é o único resultado palpável de uma cumbre.
Para dar apenas um exemplo, na próxima semana vão-se completar seis anos que assinamos a ata de fundação do Banco do Sul.
Até hoje esse documento tramita pelos Congressos dos países membros da Unasul. E sequer equacionamos a forma de capitalização do Banco do Sul.
Para que tais decisões se transformem em fatos, elas não podem cair na rotina dos legislativos, a quem compete aprová-las, nem na burocracia dos governos, a quem compete implementá-las.
Precisamos cultivar a mentalidade da integração em nossas instituições nacionais – e até mesmo nas instituições internacionais ainda recentes.
Importante contribuição neste sentido foi a criação da Universidade da Integração Latino-Americana, a Unila, que promove o intercâmbio científico, cultural e educacional.
Também destacamos a criação do Instituto Sul-Americano de Governo e Saúde, que promove a troca de experiências e coordena ações conjuntas de saúde.
Meus amigos, minhas amigas,
Uma visão estratégica do futuro pressupõe a cooperação para superar as assimetrias entre nossos países.
O desenvolvimento econômico e social de cada país é condição essencial para uma nova integração.
Este modelo não comporta pretensões hegemônicas nem a repetição de formas disfarçadas de dominação que conhecemos ao longo da história.
Para alcançar esse objetivo, teremos de buscar formas eficazes de apoiar projetos nacionais de desenvolvimento.
O Banco do Sul poderá ser um importante instrumento neste sentido, assim como a ação coordenada dos nossos bancos de desenvolvimento.
Teremos de fazer um grande esforço para cobrir a agenda de integração física, que inclui rodovias, ferrovias, geração e compartilhamento de energia, gasodutos e sistemas de comunicação.
Nos últimos anos, avançamos em importantes projetos de infraestrutura.
Um exemplo encorajador foi a conclusão, em 2012, do corredor bioceânico ligando o porto de Arica, aqui no Chile, ao porto de Santos, no Brasil, passando pelo território da Bolívia. Outro êxito foi o Eixo Interoceânico Sul, que liga a costa peruana do Pacífico à região amazônica brasileira.
É impressionante constatar que somente no século 21 tenham sido construídas as primeiras pontes entre Brasil e Bolívia e entre Brasil e Peru, no trajeto destas rodovias.
Não podemos retardar ainda mais a nossa união física, por não priorizarmos devidamente estas questões em cada um dos nossos países.
Meus amigos, minhas amigas,
Sempre que alguém apontar as dificuldades e os custos de financiamento de cada projeto comum, devemos nos indagar qual é o custo de não promover a integração.
Quanto custa atravessar um oceano para vender um produto que teria mercado no país vizinho, se houvesse uma boa estrada até este centro consumidor.
Quanto custa fazer comércio com divisas internacionais, se podemos usar mecanismos de compensação entre países, como estamos aprendendo a fazer.
Quanto custa consumir a música, o cinema a produção cultural de países distantes, quando sequer conhecemos a beleza e a diversidade do que fazem nossos vizinhos.
Quanto custa não combater doenças endêmicas e doenças da pobreza, quando poderíamos agregar o conhecimento acumulado em cada um de nossos países.
Quanto custa importar tecnologia desenhada para outras realidades, enquanto deixamos que nossos cientistas se dispersem pela falta de instituições que poderíamos criar.
Quanto custa aceitar a imposição de tarifas e barreiras comerciais, sabendo que juntos podemos aumentar nosso poder nas negociações globais.
E quanto custa adiar um futuro que precisa ser construído agora.
A América Latina reúne hoje todas as condições para se afirmar como um novo polo de desenvolvimento, paz e justiça social.
Os obstáculos que superamos nos últimos anos reforçam a convicção de que valeu a pena ter percorrido este caminho, apesar das dificuldades.
Este é o momento de dar um salto de qualidade no processo de integração. É o que justifica nossas melhores expectativas em relação a este seminário.
Se ainda não fizemos o suficiente, fizemos o necessário para acreditar que é possível construir um futuro melhor compartilhado por todos em nossa América Latina.
Muito obrigado.
É um privilégio contar com a parceria da Cepal, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Comissão Andina de Fomento na realização deste seminário internacional.
Essas três entidades, nascidas da lucidez e da visão política das gerações que nos precederam, cumprem papel insubstituível no desenvolvimento e na integração da América Latina.
Quero agradecer a participação das lideranças governamentais, políticas, sociais e da comunidade acadêmica, que acolheram nosso convite para este momento de reflexão coletiva.
É significativo que nosso encontro se realize neste plenário, que leva o nome de Raul Prebisch – uma referência na trajetória de emancipação da América Latina.
Por esta casa passaram alguns dos mais destacados formuladores do pensamento econômico, social e político latino-americano.
Examinamos suas ideias em novos contextos históricos, sempre desafiadores, buscando preservar o espírito crítico e o olhar transformador sobre os desafios do desenvolvimento.
Hoje somos convocados a debater o processo da integração sul-americana e, de maneira mais ampla, a integração da América Latina e do Caribe.
Estamos trilhando um caminho longo, que exige determinação e perseverança.
Exige o compromisso dos governos para consolidar a Unasul e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe, a Celac, bem como as instâncias de diálogo que estabelecemos com a África, os países Árabes e a União Europeia.
Exige, sobretudo, mobilizar a sociedade civil em nossos países – os sindicatos, movimentos sociais, a Universidade, empresários, artistas – em torno do ideal da integração.
Trata-se de tornar este processo cada vez mais presente no cotidiano dos cidadãos e mais visível para o conjunto das populações. Ampliar sua abrangência para além das pautas comerciais e econômicas.
O verdadeiro sentido da integração contém sua dimensão política e social. Manifesta-se concretamente na ampliação do território dos direitos e das oportunidades de cada cidadão, que não se limitam mais ao seu país.
O bloco regional se consolida quando seus habitantes podem trabalhar em todos os países; estudar, empreender e investir; internacionalizar as organizações sociais.
Quando o cidadão comum se sentir parte integrante e beneficiário direto desse processo, estaremos forjando uma verdadeira vontade popular pela integração; uma nova cidadania, conscientemente internacional.
Meus amigos, minhas amigas,
Na última década, nossos países vêm experimentando crescimento econômico sólido, com distribuição mais justa de resultados, o que jamais ocorreu em conjunto na região.
O PIB da América Latina e do Caribe tem mantido crescimento constante. Em 2012, a taxa foi de 3,1%, — acima da média mundial de 2,2%, e em contraste com centros econômicos mergulhados na recessão ou na estagnação.
O desemprego urbano na região, que alcançava 11,2% em 2003, estava reduzido a 5,6% em 2012. No mesmo período, o salário mínimo teve aumento real de 20% na média dos países latino-americanos.
São dados da Cepal, que também registra a queda da inflação na América Latina, de 8,2%, em 2008, para 5,6% em 2012.
Isso quer dizer que os benefícios do crescimento estão chegando aos trabalhadores e às camadas mais amplas da sociedade, com mais empregos e menos pobreza.
Estes avanços ocorrem num contexto em que se pratica a Democracia desde o Rio Grande até a Patagônia, outra característica sem precedentes em nossa região.
Nosso desafio é construir um pensamento estratégico latino-americano e, a partir dele, um projeto integrador mais ousado, que aproveite essa potencialidade histórica.
Aqui vamos examinar os desafios da integração física, financeira, cultural, política, social, laboral, ambiental, científica, tecnológica, de segurança e direitos humanos.
Precisamos adotar uma visão de longo prazo sobre as questões estruturais do processo de integração. Planejar o futuro com o objetivo de dar um salto de qualidade social, econômico e político em nossa região.
Temos de olhar adiante, para não interromper no meio a longa jornada, conscientes de que vale a pena continuar avançando.
Minha contribuição para este seminário é o testemunho de um ex-presidente do Brasil, que teve o privilégio de participar de momentos decisivos no processo de integração do continente.
Meus amigos, minhas amigas,
Quando assumi a presidência do Brasil, em janeiro de 2003, anunciei o propósito de trabalhar pela integração regional, com base na fraternidade entre os povos e na cooperação para o desenvolvimento.
As primeiras viagens que fiz, logo depois de eleito, foram para a Argentina e o Chile, já preparando o nosso diálogo. E ao longo do governo pude visitar todos os países da América Latina e a maior parte do Caribe. No discurso de posse, recordo-me de ter dito:
“A grande prioridade da política externa, durante o meu governo, será a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social. O mesmo empenho de cooperação concreta e de diálogos substantivos, teremos com todos os países da América Latina.”
Da mesma forma que o Brasil, outros países tinham eleito ou estavam por eleger governos comprometidos com o desenvolvimento e a redução das desigualdades.
Foi a resposta política ao fracasso de modelos que arruinaram a economia de muitos países e agravaram problemas históricos como pobreza, fome e desemprego.
Para recordar a perspectiva daquele período, em 2003 ainda estava em debate a formação da Alca, uma proposta que tendia a aprofundar, ao invés de superar, as assimetrias econômicas e sociais entre nossos países.
O Brasil tomou, portanto, uma decisão política, ao priorizar a integração sul-americana.
Esta decisão se revelou sintonizada com o sentimento da maioria dos países vizinhos. Dois anos depois, a Cúpula das Américas de Mar del Plata rejeitou a proposta da Alca.
No caso brasileiro, a estratégia da integração passou pelo fortalecimento do Mercosul. A partir de inciativas de outros países e blocos, rapidamente estabeleceu-se um diálogo construtivo em toda a América do Sul, estendendo-se à América Latina e ao Caribe.
Os primeiros resultados dessa estratégia refletiram-se, naturalmente, na ampliação do comércio.
Em 2002, o comércio intra-regional na América do Sul totalizava 33 bilhões de dólares. Em 2011, já havia alcançado 135 bilhões, quatro vezes mais.
No mesmo período, o comércio entre países da América Latina e Caribe passou de 49 bilhões de dólares para 189 bilhões de dólares, de acordo com a Cepal.
Olhando tão-somente esse aspecto, já acumulamos considerável ganho estratégico para toda a região. A diversificação dos mercados, com novas possibilidades para exportar e importar, tornou nossas economias menos vulneráveis nas disputas do comércio global.
Apesar dos avanços, ainda estamos muito aquém do potencial de comércio intra-regional, que representa cerca de 20% das nossas transações com o mundo, menos da metade do índice entre os países da Europa e os da Ásia.
Esta é uma das consequências de termos vivido tanto tempo de costas uns para os outros. Embora vizinhos na geografia e irmãos nas origens, nossos países passaram séculos olhando para fora, mirando o Norte e os oceanos.
Mas a intensificação do comércio abriu novos caminhos para a troca de investimentos, o que nos permite pensar mais longe, na integração de cadeias produtivas, essencial para o desenvolvimento compartilhado.
Apenas a título de exemplo, citando nossos anfitriões, o Chile tem 12,9 bilhões de dólares investidos no Brasil, o que representa 20% do investimento chileno no exterior.
Empresas chilenas atuam nos setores de celulose, energia, finanças e comércio, dentre outros, gerando 38 mil empregos no meu país.
Mais de 70 empresas brasileiras estão presentes hoje no Chile. E há empresas argentinas na Colômbia, colombianas no México, venezuelanas no Caribe, e assim por diante, gerando empregos e integrando a produção.
Meus amigos, minhas amigas,
A ampliação do comércio e a troca de investimentos entre nossos países resultam de um processo continuado de construção de confiança.
Posso garantir que não foi uma tarefa fácil, e que não teria sido possível sem a firme vontade política dos companheiros presidentes com os quais tive a honra de trabalhar em meu período.
[Citação de ex-presidentes]
Nosso passo político mais importante foi a criação da Unasul, a partir da reunião de presidentes sul-americanos em Cuzco, no Peru, em dezembro de 2004.
Pela primeira vez nossos países se lançaram num projeto político comum, partindo da nossa realidade e dos nossos propósitos específicos.
Do ponto de vista institucional, a Unasul simboliza a união dos nossos destinos e é a nossa identidade aos olhos do mundo.
A Unasul mostrou-se à altura de sua responsabilidade política. Sempre que foi convocada, construiu soluções pacificadoras para conflitos entre países e ajudou a superar tensões internas, como todos aqui devem se recordar.
Mostramos ao mundo, e principalmente a nós mesmos, que somos capazes de dialogar e construir soluções para os nossos próprios problemas.
Devo destacar que um dos primeiros desdobramentos da Unasul foi a criação do Conselho de Defesa, assegurando um território de paz, livre das armas de destruição em massa e das guerras, uma comunidade em que não se cultiva o ódio político, racial ou religioso.
Isso foi possível porque estabelecemos uma relação de confiança, baseada no respeito à soberania e no reconhecimento mútuo de governos eleitos democraticamente, qualquer que seja sua orientação política e ideológica.
A democracia é elemento central nas nossas relações, consagrada nos documentos fundadores da Unasul e da Celac.
Os governos de nossos países podem divergir em muitas questões, mas todos expressam a manifestação soberana das urnas, no marco de constituições legítimas.
Nossa geração guarda a memória de tempos sombrios, quando nem as ideias nem as pessoas eram livres. Sabemos o quanto custou reconquistar a democracia.
Por isso, a democracia é um valor nessa região que cresce e melhora as condições de vida de sua população, como em nenhum outro lugar do mundo neste momento.
Para introjetar este valor no processo de integração, é muito importante consolidar e regulamentar o funcionamento dos nossos parlamentos internacionais.
Cabe a eles examinar as questões concretas da integração, desde os direitos laborais até as relações comercias. Desde o respeito aos direitos humanos até o compartilhamento de tecnologias.
Estas representações serão mais legítimas na medida em que se aproximarem do cotidiano dos cidadãos. Do contrário, sua existência torna-se burocrática.
Da mesma forma, os parlamentos nacionais devem se engajar no processo, criando comissões e instâncias mais eficazes para o trâmite dos acordos diplomáticos.
A experiência me ensinou que não basta firmar acordos e anunciar decisões em cúpulas presidenciais. Não raro, depois que os presidentes retornam aos seus países, a foto oficial é o único resultado palpável de uma cumbre.
Para dar apenas um exemplo, na próxima semana vão-se completar seis anos que assinamos a ata de fundação do Banco do Sul.
Até hoje esse documento tramita pelos Congressos dos países membros da Unasul. E sequer equacionamos a forma de capitalização do Banco do Sul.
Para que tais decisões se transformem em fatos, elas não podem cair na rotina dos legislativos, a quem compete aprová-las, nem na burocracia dos governos, a quem compete implementá-las.
Precisamos cultivar a mentalidade da integração em nossas instituições nacionais – e até mesmo nas instituições internacionais ainda recentes.
Importante contribuição neste sentido foi a criação da Universidade da Integração Latino-Americana, a Unila, que promove o intercâmbio científico, cultural e educacional.
Também destacamos a criação do Instituto Sul-Americano de Governo e Saúde, que promove a troca de experiências e coordena ações conjuntas de saúde.
Meus amigos, minhas amigas,
Uma visão estratégica do futuro pressupõe a cooperação para superar as assimetrias entre nossos países.
O desenvolvimento econômico e social de cada país é condição essencial para uma nova integração.
Este modelo não comporta pretensões hegemônicas nem a repetição de formas disfarçadas de dominação que conhecemos ao longo da história.
Para alcançar esse objetivo, teremos de buscar formas eficazes de apoiar projetos nacionais de desenvolvimento.
O Banco do Sul poderá ser um importante instrumento neste sentido, assim como a ação coordenada dos nossos bancos de desenvolvimento.
Teremos de fazer um grande esforço para cobrir a agenda de integração física, que inclui rodovias, ferrovias, geração e compartilhamento de energia, gasodutos e sistemas de comunicação.
Nos últimos anos, avançamos em importantes projetos de infraestrutura.
Um exemplo encorajador foi a conclusão, em 2012, do corredor bioceânico ligando o porto de Arica, aqui no Chile, ao porto de Santos, no Brasil, passando pelo território da Bolívia. Outro êxito foi o Eixo Interoceânico Sul, que liga a costa peruana do Pacífico à região amazônica brasileira.
É impressionante constatar que somente no século 21 tenham sido construídas as primeiras pontes entre Brasil e Bolívia e entre Brasil e Peru, no trajeto destas rodovias.
Não podemos retardar ainda mais a nossa união física, por não priorizarmos devidamente estas questões em cada um dos nossos países.
Meus amigos, minhas amigas,
Sempre que alguém apontar as dificuldades e os custos de financiamento de cada projeto comum, devemos nos indagar qual é o custo de não promover a integração.
Quanto custa atravessar um oceano para vender um produto que teria mercado no país vizinho, se houvesse uma boa estrada até este centro consumidor.
Quanto custa fazer comércio com divisas internacionais, se podemos usar mecanismos de compensação entre países, como estamos aprendendo a fazer.
Quanto custa consumir a música, o cinema a produção cultural de países distantes, quando sequer conhecemos a beleza e a diversidade do que fazem nossos vizinhos.
Quanto custa não combater doenças endêmicas e doenças da pobreza, quando poderíamos agregar o conhecimento acumulado em cada um de nossos países.
Quanto custa importar tecnologia desenhada para outras realidades, enquanto deixamos que nossos cientistas se dispersem pela falta de instituições que poderíamos criar.
Quanto custa aceitar a imposição de tarifas e barreiras comerciais, sabendo que juntos podemos aumentar nosso poder nas negociações globais.
E quanto custa adiar um futuro que precisa ser construído agora.
A América Latina reúne hoje todas as condições para se afirmar como um novo polo de desenvolvimento, paz e justiça social.
Os obstáculos que superamos nos últimos anos reforçam a convicção de que valeu a pena ter percorrido este caminho, apesar das dificuldades.
Este é o momento de dar um salto de qualidade no processo de integração. É o que justifica nossas melhores expectativas em relação a este seminário.
Se ainda não fizemos o suficiente, fizemos o necessário para acreditar que é possível construir um futuro melhor compartilhado por todos em nossa América Latina.
Muito obrigado.
Fonte: Instituto Lula
Nenhum comentário:
Postar um comentário