Postado Por Dedé Rodrigues.
Uma das atividades que gerou mais entusiasmo no 24º aniversário dos mártires da UCA (Universidad Centroamericana), em El Salvador, foi a pré-estreia do filme Descalço sobre a Terra Vermelha (Descalzo sobre la Tierra Roja), que narra a vida do bispo emérito Pedro Casaldáliga, figura emblemática da mais genuína tradição cristã libertadora da América Latina.
As causas da terra, dos pobres e dos mártires são partes essenciais da vida de Dom Pedro Casaldáliga, refletidas de forma magistral no filme.
A causa da terra
Sabe-se que durante a década dos 1970, no Brasil, em plena ditadura militar, houve um processo de intensificação do desenvolvimento industrial, fruto do estímulo oferecido pela ditadura aos grandes capitais estrangeiros.
Devido à modernização da indústria, que já não conseguia absorver toda a mão de obra procedente do campo, nessa década de grande repressão e sem vontade de reforma agrária, os militares distribuíram a população brasileira ao longo das fronteiras geográficas do país, especialmente na fronteira oeste, especialmente para o Mato Grosso. O filme coloca nesse contexto o trabalho que desenvolverá Dom Pedro Casaldáliga.
O bispo, profeta e poeta, assim descreve: "Percorrendo a região e vivendo em meio de vocês, fomos vendo quais eram as maiores dificuldades e sofrimentos do povo: problemas de terra para os camponeses, em luta com os grandes latifundiários; má administração e politicagem das autoridades locais; falta de atenção total em saúde, educação, comunicações; caciquismo e exploração no comércio; escravidão dos peões nas fazendas agropecuárias; arbitrariedade da Polícia Militar(...).
A causa dos pobres
Segundo Leonardo Boff, o mérito maior do bispo Casaldáliga foi o de ter levado a sério os desafios que os pobres do mundo inteiro e especialmente os na América Latina nos apresentam. Certamente, vivenciou o seguinte processo: primeiro, deixar-se comover e encher-se de compaixão ante o sofrimento humano do pobre.
Em seguida, a atitude de indignação e compromisso frente à realidade coletiva de miséria. O amor e a indignação estão na base de suas práticas que tendem a erradicar a pobreza. Esses sentimentos, ressalta Boff, fizeram com que Dom Pedro deixasse a Espanha, fosse para a África e, por fim, desembarcasse no interior do Brasil, onde camponeses e indígenas padecem ante a voracidade do capital nacional e internacional.
Dom Pedro dá testemunho nos seguintes termos: "Se a opção pelos pobres significa colocar-se ao lado dos pobres e contra sua pobreza e marginalização, a opção que também for feita pelos ricos levará a colocar-se ao lado de suas pessoas; porém, contra seu lucro e privilégios. Se não for assim, voltaremos ao de sempre. Todos irmãos em Adão e em Deus; porém, cada um em seu lugar social; uns passando muito bem e, outros, passando muito mal (...).
A causa dos mártires
Para Jon Sobrino, os mártires latino-americanos foram mortos por defender aos pobres e aos inocentes e indefesos que morriam a morte lenta da opressão e a morte violenta da repressão. E explica que houve mártires porque, antes, também houve vítimas. Portanto, antes de pensar nos mártires, temos que rememorar os pobres e as vítimas. Casaldáliga, diz Sobrino, sempre as tem presentes e, periodicamente, recorda a verdade do mundo vitimizado.
Dom Pedro, ao dar testemunho dessa causa, afirma: "O martírio na América Latina passou a ser uma marca generalizada. Aquelas marcas do Apocalipse chegaram a ser a marca de todo o povo. Todo o povo latino-americano que tem consciência e vontade de defender a Causa da Libertação, as próprias raízes da identidade, que luta pelos direitos humanos, é um povo marcado para uma morte anunciada (...).
Tornou-se habitual celebrar datas, até o ponto em que o calendário da América Latina tingiu-se todo de vermelho. Cada dia há um ou vários mártires”. E, referindo-se, de maneira poética, aos mártires da UCA, expressou: "Já sois a verdade em cruz / e a ciência em profecia / e é total a Companhia, / companheiros de Jesus. O juramento cumprido na UCA / e o povo ferido ditam a mesma lição / desde as cátedras covas / e Obdulio cuida das rosas de nossa libertação”.
Tradução: Adital
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