Postado por Dedé Rodrigues.
Nesta terça-feira (26), o jornal espanhol El País publicou uma entrevista realizada com a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto. Em “conversa que se estendeu além do previsto” com o jornalista Javier Moreno, a mandatária comentou as jornadas de junho, quando manifestantes saíram às ruas do país reivindicando melhorias no serviço público. Ela também falou sobre a espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos e sobre a desaceleração econômica.
Théa Rodrigues
“No início das manifestações, quando elas surgiram, nós percebemos que tinha um lado importante, que era um descontentamento com a qualidade dos serviços públicos. Ninguém estava nessas manifestações pedindo uma volta atrás, um retrocesso. O que se pedia era que houvesse um avanço”, afirmou Dilma ao jornalista espanhol que lhe perguntou sobre a “gravidade da situação” e da necessidade de “reagir publicamente”.
Presidenta Dilma Rousseff dá entrevista ao jornal espanhol El País, que lançou sua edição brasileira nesta semana.
Segundo a matéria do El País, muitos tentaram desqualificar os protestos caracterizando os feitos “como um subproduto de grupos antissistema”, enquanto “outros aproveitaram para apresentá-los como uma desautorização da presidenta, do seu governo e das suas políticas”. Sobre esta avaliação, a presidenta brasileira disse que as “manifestações eram fruto de dois processos: um processo de democratização e também os processos de inclusão social e de crescimento do salário, do emprego, de crescimento das políticas sociais, que levaram para a classe média milhões de pessoas. Essas pessoas que saíram da miséria tinham reivindicações relacionadas à questão da saúde, da educação, da mobilidade urbana”.
Dilma explicou que atualmente a classe média, somada às classes A e B, corresponde a cerca de 60% da população e, por isso, é preciso levar em contas as reivindicações de junho. “Nós focamos muito nas classes mais pobres. Mas também temos de ter uma política para a classe média que diz respeito à qualidade dos serviços públicos”, disse ela.
A presidenta afirmou ainda que “primeiro, a gente aprende que as pessoas, sempre, quando têm democracia querem mais democracia. Quando elas têm inclusão social elas querem mais inclusão social. Ou seja, que na política e na ação governamental quando você obtém uma meta você tem de ter certeza de que aquilo é só um começo. Assim como sair da miséria é só um começo. É um começo de outras reivindicações”.
Segundo Dilma, “um governo tem de escutar a voz das ruas. Um governo não pode ficar isolado escutando a si mesmo. Então é intrínseco à democracia ser capaz de conviver com manifestações. Não é um episódio fortuito, ou um ponto fora da curva – é a curva”.
Para ela, “o Estado tem poder repressivo e coercitivo. Então se ele não souber lidar com a manifestação ele cai em um equívoco político sério”.
Violência policial
“Houve grupos infiltrados que eram violentos? Houve. Agora, esses grupos não podem ser razão para você desqualificar as manifestações. Hoje há no Brasil a consciência de que essa violência não tem nada a ver com democracia”, reconheceu Dilma, que falou também sobre a violência por parte da polícia: “Houve de fato momentos de exagero na repressão policial, principalmente no início. Houve também violência de parte das manifestações, mas como eu lhe disse eu acredito que a partir de um determinado momento todos – pelo menos não vi nenhum governador depois deixar de escutar, tentar evitar o confronto. Houve momentos errados no início, mas depois todo mundo aprendeu”.
Reformas
Na reportagem, o El País lembra que “no rescaldo dos protestos, a presidenta propôs ao país cinco grandes reformas com a intenção de utilizar o clima político gerado no país para levar adiante sua ambiciosa agenda em temas sociais, de saúde e infraestrutura de transportes, bem como mudanças políticas destinadas a frear a corrupção endêmica e a favorecer a transparência”.
A esse respeito, a presidenta do Brasil disse acreditar que com esses cinco pactos podem resolver o mal estar dos cidadãos que se expressaram publicamente em junho. “No caso da saúde, nós fizemos o programa Mais Médicos. Tudo que nós prometemos nos cinco pactos nós entregamos. Prometemos uma melhoria considerável na questão da saúde pública, e não só investimentos em postos de saúde, unidades de pronto-atendimento e hospitais, mas na questão dos médicos. No Brasil, você tinha uma quantidade imensa de regiões sem atendimento médico: as periferias das grandes regiões metropolitanas, as cidades do interior, e nas mais longínquas então era pior, as de fronteira, e Norte e Nordeste. Além disso, certas populações: população indígena e população quilombola. Então, nessa questão dos serviços públicos nós também fizemos o Pacto pela Mobilidade Social, que resultou em um investimento de 143 bilhões de reais em transporte coletivo urbano: metrô, VLT, BRT e corredor exclusivo de ônibus. É a primeira vez que um governo federal faz esse volume de investimento. É bom lembrar que no Brasil não se considerava adequado o investimento em metrô na década de 90”.
Economia
Ao ser questionada pelo jornalista espanhol sobre o PIB e sobre a necessidade de diminuir os gastos do governo, a presidenta afirmou que a situação do Brasil é diferente e que não prevê cortes como os que foram feitos na Espanha por conta da crise econômica.
“Nós não estamos nessa fase, não temos uma dívida como a da Espanha, temos 35% de dívida líquida [ou 58,8%, segundo a metodologia internacionalmente aceita, que é a dívida bruta]. Nós temos superávit primário. A discussão no Brasil é se o superávit primário será de 1,8%, 1,9% ou 2%. É essa discussão. Não é se nós aumentamos a dívida. É diferente aqui. E eu quero ter 5,2% de desemprego, e não quero aumentá-lo. Porque dizem: ‘Não, vocês precisam aumentar o desemprego’. Que aumentem eles! Nós continuaremos impedindo que o desemprego se amplie. Por isso desoneramos a folha de pagamento [as contribuições do INSS deixaram de ser descontadas das folhas para serem retidas do faturamento bruto das empresas]. Não reduzimos os direitos sociais. Estamos com a renda crescendo”, disse Dilma.
Espionagem norte-americana
Em 1º. de setembro passado, um canal de televisão revelou, baseando-se em documentos do ex-analista da NSA Edward Snowden, que os Estados Unidos tinham espionado o telefone celular particular da presidenta Rousseff. Dois meses antes, em julho, o jornal O Globo já havia detalhado a magnitude da espionagem dos norte-americanos no Brasil. A reação da presidenta foi muito contundente, deixou claro seu mal-estar em público, exigiu explicações e desculpas de Washington e cancelou uma visita ao poderoso vizinho do norte, segundo informou a matéria do El País.
Sobre a relação entre Brasil e Estados Unidos, Dilma falou que “essa é uma questão global. É visível hoje que o grau de espionagem feito pelos Estados Unidos nos países foi bastante variado e diversificado. Nós não consideramos que haja por conta dessa espionagem um problema na relação econômica, comercial ou de investimento. Nós não vemos assim”.
Contudo, a presidenta não amolece sua postura: “Nós achamos que é importante cada vez mais a conscientização de que isso não é possível. Uma relação como a do Brasil e dos Estados Unidos, que os dois países querem que seja estratégica, não pode ter como característica uma violação nem dos direitos civis da minha população nem da minha soberania”.
Ela comentou ainda que “eu, como pessoa, não tenho o que os americanos chamam de bad feelings, mas eu como presidente tenho de ficar indignada. Porque não se trata de uma invasão à minha privacidade; aí se trata da invasão da privacidade da presidenta da República”.
Théa Rodrigues, da Redação do Vermelho,
Com informações do jornal espanhol El País
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