A presidenta Dilma Rousseff respondeu às perguntas de vários jornais da América Latina no último domingo (21) por ter sido escolhida a personalidade latino-americana de 2014.
Dilma falou sobre democracia, Mercosul, integração regional entre blocos, aproximação com o México, combate à corrupção, dentre outros aos jornais El Tiempo (Colômbia), El Comercio (Equador), El Universal (México), El Comercio (Peru), El País (Uruguai), El Nacional (Venezuela) e O Globo (Brasil).
El Tiempo, Colombia: A senhora acredita que as denuncias envolvendo a Petrobras podem afetar a paz política necessária para o seu segundo mandato?
Dilma Rousseff: A minha indignação com as denúncias envolvendo a Petrobras é a mesma de todos brasileiros, e também quero, como todos os brasileiros, que os culpados sejam punidos. Quem cometeu crime, delito ou malfeito deve pagar por isso. Ninguém está acima de suspeita no Brasil. Quem não lidar com seriedade, lisura e efetividade com o dinheiro público deve pagar por isso. Este é um compromisso do meu governo.
É fundamental ressaltar que a população reconhece o esforço do meu governo no combate contra a corrupção. Pesquisa do instituto Datafolha publicada em 6 de dezembro mostra que 46% dos brasileiros consideram que o meu governo foi o que mais investigou os casos de corrupção em toda a história e 40% consideram que o meu governo foi o que mais puniu corruptores. Esses índices de investigação e combate à corrupção são os maiores entre os presidentes pesquisados.
As investigações sobre desvios na Petrobras estão sendo conduzidas pela Polícia Federal do meu governo. No meu primeiro mandato, a Polícia Federal, além de várias outras instituições de controle, foi fortalecida e promoveu 162 operações de combate à corrupção e ao crime financeiro. Além disso, o meu governo aprovou leis que ampliaram a transparência e as punições por corrupção, como as leis de Acesso à Informação, da Ficha Limpa, da punição ao corruptor e a do combate às organizações criminosas.
Antes dos nossos governos, meu e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Procurador Geral da República era chamado de “Engavetador Geral da República”, porque deixava os processos nas gavetas e não investigava. Conosco isso mudou. No meu governo, ao contrário do que acontecia até 2002, respeitamos a autonomia do Ministério Público nomeando como Procurador Geral da República sempre o procurador mais votado pelos seus pares. Hoje, nada é engavetado. Tudo é objeto de investigação.
Só para se ter uma ideia dessa grande mudança, nos 8 anos dos governos imediatamente anteriores aos do PT, foram realizadas apenas 48 operações da Polícia Federal destinadas a combater a corrupção. Já nos 12 anos dos governos do PT, já foram realizadas 2.226 operações especiais da Polícia Federal.
O grande fortalecimento das instituições de controle e a intensa promoção da transparência administrativa, ocorridas nos governos do PT, por vezes criam a falsa impressão de que os casos de corrupção aumentaram. Na realidade, o que ocorre no Brasil de hoje é que, pela primeira vez na história, a chaga secular da corrupção vem sendo efetivamente combatida.
O Brasil não vive uma crise de corrupção, como afirmam alguns. Nos últimos anos começamos a por fim a um longo período de impunidade. Isso é um grande avanço para a democracia brasileira.
Saliento, ademais, que tenho o firme propósito de promover, neste meu segundo mandato, uma Reforma Política que, entre outras coisas, combata a excessiva influência do poder econômico em nosso sistema de representação, fonte principal da corrupção política e dos desvios administrativos no Brasil.
El Comercio, Equador: Em países como Venezuela, Bolívia e Equador, os triunfos eleitorais estão sempre vinculados à figura de um líder (sendo que no primeiro exemplo de seu sucessor, Nicolás Maduro), sem sinais de que se esteja preparando uma troca de gerações para as próximas eleições. Como a senhora vê a postura doPartido dos Trabalhadores sobre isso daqui até 2018?
É natural que as democracias se consolidem em torno de líderes, tanto do partido que governa como da oposição. Isso ocorre em países do mundo inteiro, não apenas nos da América do Sul.
Toda democracia precisa muito tanto de líderes governamentais como de lideranças de oposição responsáveis e construtivas. Naturalmente, quando há mudança geracional, surgem novos desafios históricos, e com o Partido dos Trabalhadores não é diferente.
Sabemos que cada país tem suas características, cada sociedade tem sua dinâmica política, eleitoral, social. Quem decide o momento da mudança é a sociedade. Por exemplo, em seu tempo, Franklin Roosevelt foi eleito quatro vezes presidente dos EUA. Depois, a sociedade norte-americana adotou outras regras eleitorais que só permitem dois mandatos, sem recondução do presidente.
O PT é um partido tão jovem quanto a democracia brasileira. Acredita, como vários exemplos históricos evidenciam, que o jogo democrático exercido, a cada eleição, permite que mais líderes e mais ideias inovadoras apareçam. Quando a sociedade está pronta, a mudança se opera.
El Universal, México: A senhora acredita numa maior aproximação do Brasil com o México no seu segundo mandato ou os dois países são rivais estratégicos na América Latina?
México e Brasil são duas grandes nações em desenvolvimento que enfrentam desafios comuns, em especial a necessidade imperiosa de combater a pobreza e a fome, reduzindo as desigualdades sociais.
Somos duas sociedades diversas, ricas e multiétnicas. Temos a tarefa de incluir plenamente milhões de jovens, mulheres, negros e indígenas.
Para construir um caminho de desenvolvimento sustentável com condições de competir internacionalmente, precisamos realizar amplos investimentos em educação, inovação e infraestrutura. Precisamos nos articular no nosso hemisfério e nos fortalecer por meio de uma maior cooperação.
Não se trata de tarefa fácil, ainda mais em um contexto de crise econômica internacional persistente. Mas é o que os brasileiros e os mexicanos esperam que seus governantes façam.
Vejo, portanto, uma relação marcada por convergências, não por divergências. Vejo México e Brasil como grandes aliados, não como rivais.
Brasil e México são também duas economias complexas e diversificadas, o que se reflete em intensa relação comercial e de investimentos. O Brasil – e o Mercosul como um todo – quer ampliar ainda mais as trocas comerciais com o México.
Além dos negócios, brasileiros e mexicanos têm interesse também em ampliar o conhecimento mútuo, a cooperação educacional e cultural, e o turismo. Eu disse ao Presidente Peña Nieto que pretendo visitar o México nos primeiros meses de meu segundo mandato, para discutir estes e outros pontos relevantes da agenda bilateral.
El Comercio, Peru: Como a senhora pode liderar uma campanha séria anticorrupção em seu País se o seu próprio partido é o protagonista do escândalo da Petrobras, empresa da qual foi presidente do Conselho de Administração durante os anos das denúncias?
Como disse na resposta ao El Tiempo, é a Polícia Federal sob o meu governo que está conduzindo as investigações sobre corrupção na Petrobras. Foram essas investigações que conduziram ao desmantelamento de um esquema que se suspeita tenha décadas de existência, sendo anterior aos governos do PT.
Quero enfatizar que somos nós, do meu governo, que lideramos o processo contra a impunidade no Brasil, acabando com a era em que se escondiam os ilícitos debaixo do tapete. Fui eu que demiti, três anos antes dessas investigações, o diretor que confessou à Justiça a formação do esquema de desvio de dinheiro na Petrobras.
As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, no que se refere ao envolvimento de políticos no esquema criminoso, não estão concluídas. Ressalto que, em qualquer partido político, podem existir pessoas que cometam crimes.
O que importa é que todos que estiverem envolvidos serão punidos.
El País, Uruguai: Com as dificuldades crescentes nas economias da Argentina e do Brasil, a senhora está disposta a empreender um caminho de maior abertura internacional do Mercosul?
O projeto de integração comercial do Mercosul sempre levou em conta a abertura para outros países, agrupamentos ou regiões. Veja o caso da negociação com a União Europeia: o Mercosul já tem sua proposta pronta enquanto a Comissão Europeia, ainda não obteve aval dos Estados Membros para sua oferta.
O Mercosul não é, como algumas vezes o acusam, um bloco fechado. Desde 1991, ano da criação do bloco, negociamos inúmeros acordos comerciais, tanto no âmbito da Aladi como fora dela. Se algumas dessas negociações não avançaram, não foi necessariamente por culpa do Mercosul, como é o exemplo da negociação com os europeus.
Outro aspecto a ser destacado é o fato de que no Mercosul todas as economias ganham, não apenas as maiores. Em 2004, com a criação do Focem, o bloco estabeleceu uma carteira de projetos que tem beneficiado especialmente os sócios menores, com um conjunto que hoje soma 45 projetos em áreas como energia, infraestrutura, saneamento e habitação, com aporte comunitário de US$ 1 bilhão.
Qual a sua posição sobre o fato de o Uruguai reclamar o direito de realizar acordos fora do Mercosul?
Sobre o formato das negociações comerciais do Mercosul e a possibilidade de acordos individuais extrabloco, é preciso ter presente que, desde o princípio, houve consenso de que o bloco deveria realizá-las de forma conjunta, como maneira de proteger os avanços já alcançados na integração intrazona, tanto em termos de preferências tarifárias internas, como também de arranjos produtivos.
Tal exigência está consagrada no artigo 1º do Tratado de Assunção. Isso não quer dizer que, ao negociar-se um acordo, não se levem em conta a situação e os interesses distintos dos diferentes países-membros. A conformação de eventuais listas de ofertas tarifárias do Mercosul se dá por meio de negociações entre os cinco países-membros, que têm a possibilidade de elaborar suas próprias listas nacionais, ou mesmo optar por não apresentar uma lista, caso da Venezuela na negociação com a União Europeia.
O Mercosul é um bloco aberto e flexível, que pode acomodar interesses diferentes e necessidades diversas.
A troca recente do ministro da Fazenda por um técnico mais enfocado para o mercado trará mudanças na orientação da política social do seu país?
O ministro Joaquim Levy tem uma longa carreira no serviço público. Foi secretário do Tesouro no primeiro governo Lula e secretário de Estado da Fazenda do governo do Estado do Rio de Janeiro. Convivi com o ministro Levy durante anos e tenho confiança na sua competência para conduzir o Ministério da Fazenda neste momento.
A economia brasileira, assim como todas as economias emergentes, passa por um momento de transição, no qual ainda sofremos os efeitos externos do lento crescimento mundial – inclusive, com a redução dos preços das commodities. Todos nós sabemos que a recuperação da crise que começou lá atrás, em 2008, ainda é tênue. Nós temos um quadro difícil na Europa, uma recessão no Japão. A China está crescendo a níveis mais baixos nos últimos anos, e mesmo a recuperação nos Estados Unidos não mostra ainda toda a sua força. É, portanto, um quadro que exige atenção.
No meu segundo governo, a prioridade seguirá sendo o desenvolvimento econômico, a geração de empregos, a ampliação do poder de compra dos salários, o incentivo ao investimento e, sobretudo, a continuidade do processo de eliminação da pobreza e de redução das desigualdades
A política social não mudará.
El Nacional, Venezuela: É conveniente para a integração latinoamericana a existência de tantos blocos (Mercosul, Aliança do Pacífico, Unasul, Celac, Alba)? Qual o papel da Alba, iniciativa criada pela Venezuela em 2004, dentro do processo de integração regional?
A coexistência de diferentes mecanismos regionais reflete a rica diversidade sociopolítica de nossos países, mas comprova também o firme compromisso de todos eles com o ideal da integração.
O conceito de integração é rico e complexo, podendo incluir desde um simples arranjo comercial à integração produtiva, da cooperação econômica à concertação política.
Ele pode também assumir diferentes formatos e contornos, envolvendo grupos de países diversos, o que pode ser um reflexo do padrão de relacionamento histórico entre eles.
Na perspectiva brasileira, a coexistência de três desses mecanismos, dos quais fazemos parte, dá-se de forma natural. Para nós, o Mercosul representa o mecanismo de integração mais profunda, que engloba os diferentes campos de coordenação política, econômica e comercial. Já a Unasul e a Celac são principalmente instâncias de convergência política entre países sul-americanos (Unasul), além dos caribenhos e centro-americanos (Celac), sendo, portanto, complementares em muitos aspectos.
É preciso salientar que, nos últimos anos, a Unasul vem assumindo funções importantes tanto em termos de mediação de crises políticas na região, como no caso da Venezuela, quanto em termos de cooperação em temas como segurança, defesa e infraestrutura.
Como tive a ocasião de salientar em discurso que fiz recentemente por ocasião da inauguração da nova sede da Unasul, em Quito, essa convivência entre mecanismos complementares de integração é a prova maior de que, em nossa região, vivemos no dia-a-dia uma situação de crescente “unidade na diversidade”.
O Globo, Brasil: A aliança internacional mais visível de que o Brasil participa hoje são os Brics, com países de outros continentes. Por que a integração regional não avança?
A participação do Brasil no Brics, no G20 e em outros grupos não exclui, em nenhuma medida, o nosso contínuo engajamento nos foros de integração regional, um dos eixos prioritários da inserção internacional brasileira. Do ponto de vista do meu País, são processos complementares.
A integração regional tem avançado, e muito. O Mercosul avança como instância de integração econômica, tanto comercial como produtiva.
Acabo de regressar da Cúpula da Unasul, no Equador, onde inauguramos a sede da organização e discutimos temas fundamentais, como os projetos prioritários de infraestrutura regional.
Em junho deste ano, por ocasião da reunião dos países Brics no Brasil, promovemos um profícuo encontro Brics-Unasul focado no financiamento de projetos de integração dos países da Unasul. Ficou evidente o interesse recíproco na construção de relações entre a América do Sul e os países Brics e a importância do Brasil como elo entre elas. Isso demonstra a relevância de nossa região na arena global.
Do ponto de vista da América do Sul, a integração regional tem se consolidado como instrumento de preservação da estabilidade e da democracia na região – recordo que as recentes eleições na Colômbia, Chile, Bolívia, Uruguai e Brasil transcorreram em clima de participação popular e plena liberdade de expressão.
No âmbito da América Latina, temos avançado na cooperação por meio da Celac.
Nosso lema de convívio democrático é a unidade na diversidade e o respeito às características de cada país.
Aliás, é exatamente devido aos processos de integração regional que a América Latina ascendeu como protagonista e interlocutora na comunidade internacional.
Durante a campanha eleitoral, a senhora criticou muito seus adversários por estarem aliados a pessoas do sistema financeiro. No entanto, o primeiro nome indicado pela senhora para o novo ministério vem de um grande banco. Isso não é uma incoerência? Qual linha a senhora pretende seguir na política econômica no próximo mandato, mais à esquerda ou mais à direita? A nova equipe terá mesmo liberdade para tomar um rumo mais ortodoxo?
Como respondi anteriormente, o ministro Levy foi um quadro importante no governo Lula. Ter trabalhado em um banco não o diminui, ao contrário, apenas amplia a sua experiência profissional.
A nova equipe econômica trabalhará em medidas de elevação gradual, mas estrutural, do resultado primário da União, de modo a estabilizar e depois reduzir a dívida bruta do setor público em relação ao PIB. Também continuaremos a melhorar nossa política de aumento do investimento e de ampliação de produtividade, pois é isso que sustenta um crescimento mais rápido do PIB e dos salários reais, com estabilidade macroeconômica.
Para os próximos anos, nossa prioridade é recuperar a capacidade de crescimento da economia, com controle rigoroso da inflação e fortalecimento das contas públicas, e, assim, garantirmos o emprego e a renda.
Os ajustes a serem realizados, inevitáveis ante a persistência de um quadro econômico internacional difícil, não serão efetuados, contudo, à custa dos empregos e dos salários dos brasileiros, especialmente dos mais vulneráveis, como já se fez no Brasil e como se faz atualmente em outros países do mundo.
O Brasil vive uma crise de corrupção envolvendo empreiteiras privadas, empresas públicas e políticos. O governo terá distanciamento e condições de levar até o fim os processos de investigação, responsabilização e punição dos envolvidos? O Brasil passa por uma espécie de processo de “mãos limpas”?
Como já ressaltei em resposta ao jornal El Tiempo, o Brasil não vive uma crise de corrupção. A corrupção sempre existiu no Brasil. O Brasil vive, na realidade, um momento ímpar e inédito de efetivo fim da impunidade e de combate à corrupção. O que está em crise no Brasil é a histórica impunidade.
O meu governo tem o compromisso de combater a corrupção e de apoiar o Ministério Público assegurando, da nossa parte, todas as condições para oferecer uma denúncia sólida à Justiça.
Repito: no que depender de mim, não sobrará pedra sobre pedra, doa a quem doer.
Durante a campanha eleitoral, fui a única candidata que propôs medidas concretas contra a
corrupção e a impunidade. São elas:
1.Transformar o “caixa dois” eleitoral em crime.
2.Impor julgamentos mais rápidos, penas mais severas e confisco de bens para quem enriquecer ilicitamente em cargos públicos.
3.Criar uma nova estrutura, nos tribunais superiores, para agilizar investigações e julgamentos de acusados que possuam foro privilegiado.
Isso é fundamental para acabar com a corrupção porque a impunidade é um mal do qual a corrupção e os crimes financeiros se alimentam. Vamos enviar essas propostas ao Congresso e intensificar o combate à corrupção e à impunidade.
Fonte: Blog do Planalto
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