segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Policia Militar: um retrato do despreparo ou pura discriminação

 A morte do camelô Carlos Augusto Muniz Braga, de 30 anos, na Lapa (zona oeste de São Paulo), no dia 18 de setembro, levantou uma velha discussão travada há tempos na sociedade sobre a truculência e o despreparo da polícia militar brasileira. 

 "A impunidade dessa instituição se deve em grande parte à mídia brasileira, que exalta os crimes da polícia, e o governo que teme tomar medidas radicais, como, por exemplo, a denúncia de qualquer prática de tortura ou violação dos direitos humanos&am

Por Cinthia Ribas*, no jornal Olho Crítico


O caso de Braga, morto com um tiro à queima-roupa pelo soldado da Polícia Militar Henrique Dias Bueno de Araújo, de 31 anos, confirmou a preocupação crescente de organizações de defesa dos direitos humanos e entidades dos movimentos sociais diante da violenta forma de ação dos militares frente aos protestos e à resistência popular.

Ultimamente têm se tornado constantes manifestações de desagrado de parte da sociedade contra o modus operandi da PM. Nesse contexto, o Brasil reconheceu a truculência policial e voltou a reproduzir o discurso sobre o despreparo dos membros da entidade.

Parte das estatísticas

“Não tem jeito, se você é pobre, negro e mora na periferia certamente tem medo da abordagem da PM”. Essa é a afirmação do atendente de padaria Givanilton Gomes, 38 anos, que sofre com as constantes abordagens policiais em São Paulo.

Na opinião do balconista, os policiais atiram primeiro para perguntar depois. “Quando sou abordado, já levanto logo as mãos, para eles verem que não carrego nada”, revela o trabalhador que é morador do bairro de Itaim Paulista, localizado no extremo da Zona Leste.

Givanilton conta que sai do trabalho no bairro de Santo Amaro após as 22h, e costuma chegar em sua residência por volta da meia noite ou mais. “Eu sei que eles discriminam mesmo. Por isso não ‘dou mole’ para o azar”, afirmou receoso o atendente.

Os números comprovam que esse medo tem fundamento. Dados do Centro de Inteligência e da Corregedoria (órgão fiscalizador) da corporação paulista revelam que a letalidade dos policiais militares de São Paulo cresceu 62% em 2014. É o que aponta a comparação sobre as mortes cometidas por PMs durante os primeiros semestres de 2014 e 2013.

Homens negros, sobretudo jovens, são as principais vítimas da violência policial no estado de São Paulo, segundo pesquisa do Gevac (Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos), da UFSCar (Faculdade Federal de São Carlos), lançada abril deste ano. A análise indica que a mortalidade de negros é pelo menos três vezes maior que a de brancos.

Entre os anos de 2009 a 2011, 939 casos de ações policiais foram analisados. O resultado aponta que 61% das vítimas de morte por policiais eram negras. No âmbito infanto-juvenil, os dados são mais alarmantes: entre 15 e 19 anos, duas a cada três pessoas mortas pela PM são negras.

Despreparo?

Mas será que os números são consequências do despreparo da polícia militar? Para os especialistas, é equivocada essa afirmação, pois despreparo é a mesma coisa que preparo nenhum ou preparo insuficiente, o que não é o caso das Polícias Militares brasileiras. Os agentes são preparados de forma inadequada, segundo a lógica militar de um aparelho repressivo para a manutenção da ordem pública.

Especialista em polícia do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo lembra que a Polícia Militar brasileira foi consolidada no período da ditadura e criada com o objetivo de defender o Estado de seus inimigos. Essa “lógica de guerra”, segundo Carolina, se mantém até os dias de hoje.

A prova dessa afirmação é a atual truculência da polícia militar, um dos resquícios mais visíveis da ditadura. Os métodos de tortura que eram utilizados na época ainda são usados pela polícia, legitimando o genocídio da população negra, pobre e moradora das periferias.

Carlos Lungarzo, representante da anistia internacional no Brasil, acredita que a polícia e os militares, independente de seus sentimentos pessoais, caráter, crenças, entre outros, são grupos violentos e que têm tendência ao abuso em qualquer país do mundo, mas, no Brasil, atingiram proporções de extrema violência.

Para ele, isso se deu pelos incentivos dos políticos de direita, que exacerbam a repressão como se isso fosse uma resposta social pela “covardia da esquerda que tem algum tipo de poder e que deveria exigir uma ação direta da ONU” e pela cumplicidade e incentivo de promotores, juízes e outros operadores do direito.

Para Lungarzo, a impunidade dessa instituição se deve em grande parte à mídia brasileira, que exalta os crimes da polícia, e o governo que teme tomar medidas radicais, como, por exemplo, a denúncia de qualquer prática de tortura ou violação dos direitos humanos. “Enfim, um enorme caos, uma espécie de Síria, sem guerra”, conclui.


*É jornalista
Reprodução
"A impunidade dessa instituição se deve em grande parte à mídia brasileira, que exalta os crimes da polícia, e o governo que teme tomar medidas radicais, como, por exemplo, a denúncia de qualquer prática de tortura ou violação dos direitos humanos&am"A impunidade dessa instituição se deve em grande parte à mídia brasileira, que exalta os crimes da polícia, e o governo que teme tomar medidas radicais, como, por exemplo, a denúncia de qualquer prática de tortura ou violação dos direitos humanos&am

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