quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Trabalhadores, uni-vos!

José Reinaldo Carvalho *


Foto do arquivo

No ano em que a Primeira Internacional (Associação Internacional dos Trabalhadores – AIT) completa 150 anos e a Terceira Internacional (Internacional Comunista) 95, a Boitempo Editorial, em coedição com a Fundação Perseu Abramo, presenteia os leitores que se interessam pela história das lutas sociais, do movimento operário, socialista e comunista com uma valiosa obra: Trabalhadores, uni-vos! Antologia política da I Internacional.



Organizada pelo cientista político italiano Marcello Musto, professor da York University, em Toronto, Canadá, a coletânea reúne mensagens, resoluções, intervenções, atas e outros documentos do Conselho Geral e dos diversos congressos da AIT, grande parte inédita em português. Uma farta documentação que retrata posicionamentos políticos, reflexões teóricas e embates ideológicos.

Na introdução, em que narra e interpreta a história daquela que foi a primeira experiência prática e orgânica do internacionalismo proletário, o autor destaca a atualidade do tema:

“[...] numa época em que o mundo do trabalho voltou a sofrer condições de exploração semelhantes àquelas do século 19, o projeto da Internacional retorna com extraordinária atualidade. Sob cada injustiça social, e todo lugar em que trabalhadoras e trabalhadores se veem privados de seus direitos, germina a semente da nova Internacional”.

No parágrafo final, assinala:

“A barbárie da ‘ordem mundial’ vigente, os desastres ecológicos produzidos pelo presente modo de produção, o inaceitável abismo que separa as riquezas de uma minoria de exploradores e o estado de indigência de extratos cada vez mais vastos da população mundial, a opressão de gênero, os novos ventos de guerra, do racismo e do chauvinismo, impõem ao movimento operário contemporâneo reorganizar-se, com urgência, a partir de duas características da Internacional: a radicalidade dos objetivos a perseguir e a forma poliédrica de sua estrutura. Os objetivos da organização nascida em Londres há 150 anos são hoje mais atuais e indispensáveis que nunca. Mas, para estar à altura do presente, a nova Internacional não poderá prescindir de dois requisitos fundamentais: deverá ser plural e anticapitalista”.

A segunda metade do século 19 conheceu o crescimento da classe operária como fruto do desenvolvimento do capitalismo e a difusão do marxismo como corrente política e ideológica em luta contra a exploração capitalista. A própria luta apresentava objetivamente a exigência de reforçar os laços de cooperação entre os trabalhadores de diferentes países. 

O passo decisivo para a criação de uma organização internacional dos trabalhadores foi dado em 28 de setembro de 1864, em um encontro realizado em Londres reunindo representantes de diferentes países. Na ocasião, ressaltou-se a necessidade da colaboração classista, o que levou os participantes a decidirem pela criação de uma organização internacional dos trabalhadores. Foi eleito um comitê encarregado de redigir um estatuto e um manifesto dirigido aos trabalhadores do mundo. Marx foi um dos eleitos para participar do comitê. A reunião de Londres é o marco fundador da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), que ficou conhecida como a Primeira Internacional. Os estatutos definiram que o órgão supremo da organização era o congresso, que se reuniria anualmente, e entre dois congressos as responsabilidades diretivas recaíam sobre o Conselho Geral.

A Mensagem Inaugural da AIT, redigida por Marx, apresentava os princípios fundamentais da Internacional que, essencialmente, coincidem com os do Manifesto Comunista de 1848. O Manifesto apresentava duas questões relevantes: a necessidade de liquidar a propriedade privada sobre os meios de produção e a criação de um partido de classe para lutar pelo poder político. A base da exploração capitalista dos trabalhadores é a propriedade privada dos meios de produção, por isso o documento assinalava a necessidade de abolir esta propriedade e criar a propriedade comum. E o caminho para isso é a conquista do poder político pelos trabalhadores: “Conquistar o poder político tornou-se, portanto, o grande dever das classes trabalhadoras. Elas parecem ter compreendido isso, pois na Inglaterra, na Alemanha, na Itália e na França ocorreram simultâneos restabelecimentos, e esforços concomitantes estão sendo atualmente realizados para a organização política do partido operário”, diz a Mensagem Inaugural da AIT. 


O documento põe em relevo que o principal objetivo da AIT era a união de forças operárias em diferentes países na luta por direitos e pelo fortalecimento dos laços de ajuda mútua entre os trabalhadores de diferentes países, o que inevitavelmente levou à expansão da organização e ao crescimento do movimento operário. Por exemplo, em 1867, quando começou uma greve de trabalhadores em Paris, o Conselho Geral da Primeira Internacional fez um chamamento aos operários ingleses para que ajudassem os seus companheiros franceses, apelo que foi correspondido. Um ano depois, quando os metalúrgicos ingleses iniciaram uma greve, os capitalistas decidiram contratar trabalhadores na França para sabotar o movimento. O Conselho Geral da Internacional fez com que as seções francesas realizassem um amplo trabalho que resultou em fracasso da pretensão dos capitalistas ingleses.

A criação da Primeira Internacional foi um grande acontecimento histórico para o movimento operário internacional, desempenhou importante papel no desenvolvimento das lutas dos trabalhadores e abriu caminho para a realização da tarefa mais importante da época: a politização do movimento operário, a criação dos partidos políticos independentes do proletariado nos marcos dos Estados nacionais. 



Foi no âmbito da Primeira Internacional, que Marx, seu coração e cérebro, desempenhou intensa atividade política, teórica e organizativa, em meio à luta contra correntes ideologicamente adversárias.



O socialista francês Proudhon (Pierre-Joseph Proudhon) considerava que a classe operária se livraria dos sofrimentos infligidos pelo capitalismo contando com a ajuda do próprio Estado burguês, por meio da criação de um “banco popular” que forneceria créditos aos trabalhadores para adquirirem meios de produção e se transformarem em pequenos produtores. Já no congresso de Genebra (1866) da Internacional, houve uma dura luta entre os marxistas e os proudonistas, que se estendeu a outros congressos.



Outra corrente contra a qual os marxistas terçaram armas foi a dos tradeunionistas, como eram conhecidos os reformistas ingleses, que não iam além da luta econômica.

Outro embate acirrado dividiu em campos antagônicos os marxistas e os anarquistas liderados por Mikhail Bakunin. Os anarquistas se opunham a todo tipo de Estado e foram os primeiros a se insurgir contra o conceito da ditadura do proletariado. Opunham-se ainda à criação dos partidos do proletariado.



Já é longa a trajetória do movimento operário desde a criação da Primeira Internacional, em 1864. De seus vaivéns, avanços e recuos, conquistas e fracassos há muitas lições a extrair pela atual geração de trabalhadores, militantes e organizações que lutam para superar revolucionariamente o capitalismo. Uma delas, das mais importantes, é a de que a unidade é um dos principais fatores para elevar o grau de consciência e organização dos trabalhadores. É um grande ensinamento para os revolucionários. Evidenciá-lo é um dos maiores méritos do livro Trabalhadores, uni-vos! Antologia política da I Internacional, que reproduz a consigna do internacionalismo proletário lançada por Marx e Engels no Manifesto Comunista e reiterada em tantos documentos da Primeira Internacional. 




* * Jornalista, Diretor do Cebrapaz, membro da Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade e editor do Vermelho.

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