Por Dedé Rodrigues
O Curso de Formação continuada de professores e
coordenadores pedagógicos do Ensino médio que está ocorrendo no Brasil e também
na Escola Arnaldo Alves Cavalcanti em Tabira e que tem como coordenadoras dos cursistas da nossa
escola as Professoras Rosineide e Margarete, foi encerrado o V encontro do ano
neste mês de dezembro de 2014. Nesta matéria eu vou destacar algumas questões
que considero relevantes do curso, tendo como base os relatórios individuais e
coletivos, mas acrescentando outras contribuições dos pesquisadores e professores
como João Francisco de Sousa, Paulo Freire e Moacir Gadotti com o objetivo de
contribuir com o aprofundamento das reflexões e dos conflitos ocorridos nos
debates em nossa escola, mas com certeza, ocorridos também, nas suas devidas
proporções, em outras escolas, já que a nossa escola e as outras não são ilhas
separadas do Brasil. Nesta matéria apontarei algumas causas da crise do Ensino Médio,
a importância da relação professor-aluno, aspectos do conhecimento dialético de
mundo, a função da educação: adaptação ou libertação? Evasão escolar, interdisciplinaridade, autoritarismo, autoridade,
liberdade, a dialética e o conflito, desenvolvimentismo+ socialismo X neoliberalismo no mundo,
gestão democrática, cidadania e a disputa no Brasil entre a democracia representativa neoliberal e democracia
participativa e desenvolvimentista, culturas, bem como, a relação de tudo isto com a nossa escola e com o nosso fazer pedagógico.
A apostila que está norteando o curso considera que “o
ensino médio talvez seja um dos mais problematizado na história da educação,
pois manifesta o nó da relação social implícita no ensino escolar
nacional”. (CURY, 1991). O problema deste curso estaria na própria organização
do ensino brasileiro, desde o Império, fragmentado, com aulas avulsas e
reproduzindo a ideologia elitista e dominante. Esta ideologia contribuiu para a
naturalização das diferenças e desigualdades entre as classes sociais no Brasil
até os dias atuais. De forma que os problemas da educação no Brasil são
históricos, tendo como pano de fundo, uma educação feita no período Imperial
pela elite e para a elite, como deixa claro neste trecho da apostila que, “o
Colégio Pedro II foi criado com o propósito de formar as elites nacionais, os
altos quadros políticos, administrativos e intelectuais do país”. De lá pra cá
muitas coisas mudaram, especialmente nos últimos 12 anos, mas os desafios
continuam, pois na essência o ensino brasileiro ainda é elitista, porque ele
reproduz também uma sociedade muito desigual camuflando - em todos os aspectos
- político, econômico, cultural e social esta desigualdade.
É fato constatado por pesquisas que o Ensino Médio no Brasil
atravessa uma profunda crise. A escola, muitas vezes, está distante ou fora dos
interesses do jovem do século XXI. Os
professores são vistos como alguém que pouco acrescenta na vida dos jovens. Por
isto torna-se urgente também para o docente conhecer mais cada aluno de cada
turma para poder compreendê-lo melhor. Duas
coisas eu considero fundamental para avançar na direção de compreendermos
melhor o nosso aluno: Conhecê-lo mais por intermédio de pesquisas e avaliações
individuais e ter uma boa relação com ele. Freire nos ensina que “quanto mais
me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as diferenças,
tanto melhor me conheço e construo meu perfil”. E continua: “O diálogo é o
encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto
é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para humanização de todos.”
(Freire, 1975:43). Isto quer dizer que
se o professor se relaciona bem com o seu aluno e procura o conhecer melhor, a
partir do respeito à diversidade e diferenças em sala de aula, dialoga e o
respeita, mais constrói no trabalho pedagógico um perfil adequado nele mesmo e
ajuda a transformar o mundo.
Além da necessidade do Professor conhecer mais o seu aluno,
torna-se também necessário ele conhecer mais o mundo, ter um filosofia de vida
e de mundo. É preciso o docente ampliar
o campo conceitual sobre os fenômenos sociais e a crise do ensino médio que está
relacionada, conforme nos ensina à dialética, com a crise do sistema capitalista. Neste sentido o principal culpado dos nossos
maiores problemas é o modo de produção capitalista, individualista e predatório,
mas o modo de produção é uma criação humana, pode ser transformado,
substituído. Não é justamente o que
sugere a apostila que é preciso conhecer o particular para chegar ao
conhecimento total? E o total não é o modo de produção capitalista? Não é a
adaptação do indivíduo a este sistema contraditório e excludente que predomina
ainda no ensino médio? Como adaptar o nosso aluno a um sistema injusto que
precisa mudar? Paulo Freire nos ensina o contrário. Esta contradição sistêmica precisa
ser superada.
Aprofundado esta questão, Gadotti em Concepção Dialética da Educação,
pág. 13, afirma que “tanto a educação do homem feudal quanto a educação do
homem burguês tem uma finalidade muito definida: adaptar as novas gerações a um
modelo de sociedade”. É claro que estes modelos de sociedade interessavam as
elites, mas será que sempre foram interessantes para os trabalhadores, os servos
e os operários? É consenso entre
educadores progressistas que a educação precisa tornar-se um instrumento de
libertação do homem da ignorância e em consequência também da sociedade
capitalista opressora. Para a libertação do homem torna-se necessário o
conhecimento profundo das contradições do próprio sistema capitalista. Para
isto Marx aponta por intermédio da dialética que “no estudo da estrutura
econômica da sociedade capitalista existe uma contradição básica entre o
caráter social da produção e o caráter privado da propriedade”. Esta
contradição do sistema também precisa ser superada. Para Marx, “educador e educando educam-se
juntos na práxis revolucionária, por intermédio do mundo que transformam”.
(Gadotti, 1994: 43).
Segundo Marx “O
ensino Burguês é necessariamente elitista, discriminador. Para que os filhos
das classes dominantes possam estudar é preciso reprovar todos os outros. Na
verdade a chamada evasão escolar nada mais é do que a garantia para as classes
dominantes de que continuarão a se apoderar do monopólio da educação”. Deste modo a divisão das disciplinas impede
formação humana integral que buscamos, fragmenta o conhecimento, estimula a
competição individual e a reprovação. O nosso curso busca formar o docente para
adquirir uma prática na escola interdisciplinar, mas esta prática encontra
muita dificuldade no tipo de sociedade que a gente tem, na qual, o fragmento é
mais importante que o todo, o indivíduo é mais importante que o coletivo. Nesta sociedade capitalista, na qual tudo vira
mercadoria, a educação como um bem social sofre os efeitos desta concepção ou
filosofia de vida burguesa privatista. Para os trabalhadores, professores, pais
e alunos, não é interessante que a
educação seja um bem privado, pois, neste caso, só teria acesso à escola de
“qualidade individual” os detentores dos meios de produção ou da riqueza, nós
devemos perseguir a formação humana integral que só acontecerá numa educação
pública e de qualidade social e com a vivência prática da interdisciplinaridade.
O nosso curso mostrou também outro aspecto que deve ser
estudado: o conflito de ideias entre professores acerca das questões educacionais
em debate. Para aprofundar isto cabe
aqui uma reflexão dialética: “A harmonia na instituição escolar será sempre
aparente. Só é harmoniosa a instituição
que é opressiva. Uma instituição educadora será sempre um lugar de
conflito, de debate, de crítica, de desconforto. Os que buscam a vida, os que
vivem, serão sempre inconformados. Só a morte é harmoniosa, repouso, eliminação
de conflitos”. (Gadotti, 1994: 106). É bom saber que os diversos conflitos de
ideias em nossa escola é o reflexo dos conflitos de classes da nossa sociedade.
Neste debate vai se firmando inevitavelmente, conscientemente ou não, dois
lados: um lado progressista que aposta nos avanços de interesse da classe
trabalhadora que o curso propõe e outro lado conservador, burguês, que resiste
às mudanças propostas pelo curso. Não é tentando manter uma dada situação que
alguns professores resistem a tratar o aluno como sujeito de direito? Não é a resistência
de alguns professores a alunos do Grêmio Estudantil um viés conservador? E a
negativa de alguns professores em dar mais oportunidades de reensino ou de recuperação
de alunos com dificuldades não é uma forma de autoritarismo? A falta de diálogo
respeitoso, aberto e franco entre professor-aluno não é também outra forma de
autoritarismo? Veja o que diz Gadotti sobre isso: “A educação é um processo
contraditório (unidade e oposição), uma totalidade
de ação e reflexão: eliminando a autoridade caímos no espontaneísmo
libertário onde não se dá educação; eliminando a liberdade, caímos no
autoritarismo, onde também não existe educação, mas domesticação ou puro
adestramento. O ato educativo realiza-se nesta tensão dialética entre liberdade
e necessidade”. (Gadotti, 1994: 74).
Além de compreendermos que o conflito é inerente ás
sociedades de classes como a nossa, é preciso também entender que “o conflito é
parte integrante do processo de humanização. Por isso temos que entender o
papel dos conflitos na dinâmica das relações interpessoais, sociais, políticas,
econômicas, enfim, culturais. Temos que enfrenar os conflitos surgidos de forma
positiva. Precisamos manejá-los de tal maneira que eles contribuam para o nosso
crescimento pessoal e coletivo, para afirmar o EU em nossa COMUNIDADE”. (João
Francisco, 2001: 204). Observe que o autor encara o conflito de forma positiva,
dialética, como algo necessário às mudanças que precisamos realizar na escola e
na sociedade.
As mudanças que estão acontecendo e, as que precisam ainda
ser feitas no Ensino Médio, estão relacionadas com as mudanças que estão
ocorrendo e, as que ainda precisam ocorrer, no Brasil. O mundo atual vive um
conflito entre o neoliberalismo, ideologia que dá suporte a globalização capitalista,
imposta pelos países ricos centrais contra o desenvolvimentismo e o socialismo
que resistem na América Latina e na maior parte da Ásia. Estudar a educação
desconectada disto é no mínimo negligenciar a dialética. O próprio curso que
estamos fazendo é resultado do Governo Progressista e desenvolvimentista de
Dilma Rousseff no Brasil. Neste processo há uma disputa ou queda de braço em
nossa sociedade entre os neoliberais (PSDB, DEM e PPS) contra o (PT, PC do B,
Parte do PSB, PSOL etc.) Para aprofundar ou não a nossa democracia. Mudar o
Ensino médio como propõe o nosso curso: mais democracia, mais transparência,
mais direitos, mais qualidade social não interessa aos neoliberais. Hoje há uma
disputa no Congresso Nacional que ampliará ou não a participação dos movimentos
sociais como norteadores dos governos, bem como, os direitos sociais e a
distribuição de renda. Esta mudança é a proposta do Decreto de Participação
Social da Presidenta Dilma que foi derrubado pelos neoliberais acima depois da
eleição deste ano, na Câmara de Deputados. Este embate entre neoliberais e
desenvolvimentistas explicita a disputa que agora está ocorrendo no Senado
brasileiro. Os movimentos sociais populares na América Latina e no Brasil “apostam na possibilidade de garantir o
aprofundamento, a extensão e a radicalização das democratizações que possam vir
a configurar um socialismo latino-americano”), (Souza, 2001, 118). Os casos da
Venezuela, Colômbia e Equador são mais elucidativos. O Brasil ainda não está numa
situação similar a estes países, mas caminha para ela. “A democracia diz
respeito aos problemas da luta pela satisfação das necessidades e dos
interesses ligados às questões da sobrevivência, do trabalho, da atividade
produtiva, e seus correlatos – alimentação, saúde, educação – como instrumento
de mobilidade social”. (Ib:118). Mudar o Ensino Médio será uma das nossas
contribuições com todo este processo de mudanças que está ocorrendo neste
momento histórico no Brasil e no mundo.
Está atento, tomar partido, sem partidarizar o trabalho pedagógico e ficar por dentro desta
conjuntura nacional e mundial é um dever do educador revolucionário contemporâneo.
Posicionar-se sobre a questão das disputas pelo grande poder político mundial,
de um mundo unipolar (só os EUA, aliado à parte da Europa, mandando com a politica neoliberal) para um
mundo multipolar, socialista e desenvolvimentista, com a divisão do poder entre
(a China, Rússia, Brasil etc.) Este segundo bloco vai se firmando cada vez mais
no mundo e é o que mais interessa a nós professores progressistas. Neste
contexto este curso vai deixando mais claro que nas escolas há uma disputa que
favorece mais a um lado ou ao outro, ou seja, à democracia liberal meramente
representativa e neoliberal ou à democracia participativa, desenvolvimentista ou
socialista. “Esta perspectiva implica que a escola se pense como uma cidade a
construir, ou seja, que se pense não só como espaço de formação do cidadão, mas
principalmente como um espaço de exercício de uma cidadania que não se limita a
aprendizagem da disciplina e das regras, mas que institua uma cultura dos
direitos e da participação democrática”.
(Ib Souza:135).
Neste sentido, o curso
nos ensina que, para a gente perseguir a formação humana integral, devemos ter
o aluno como protagonista, respeitar os seus direitos, e a pesquisa como
recurso pedagógico muito importante. A sala de aula deve ser um ambiente
democrático, na qual, a provocação do professor sobre o debate de ideias,
teorias, pesquisas, as reflexões e os questionamentos dos alunos possam fluir
livremente. A nossa contribuição neste
processo deve ser a de apoiar e fortalecer os órgãos colegiados da escola, a
gestão democrática, o Conselho Escolar e o Grêmio Estudantil para ajudar a
construir a cidadania ativa em nosso aluno. Esta é uma contribuição
indispensável ao educador progressista. No mais Souza nos ensina que “Trata-se
de construir a unidade na diversidade, lutar pelo sonho possível, pela utopia
necessária, que para Freire implica sua concepção de interculturalidade e
multiculturalidade, pela superação da guetização e do assimilacionismo na
interação crítica entre culturas ou traços culturais; numa palavra, do
enriquecimento das diferentes culturas e ou traços culturais em presença.
Enfim, poder-se-á chegar à construção de uma sociedade democrática, não apenas
representativa, mas participativa”. Cuja sociedade, a meu ver, como professor
revolucionário, aponta para o socialismo do século XXI.
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