24/04/2013 - 12h26
O clássico da literatura nacional foi durante muitos anos o retrato da realidade de brasileiros castigados pela estiagem no Semiárido brasileiro.
O cenário da Caatinga e a seca ainda são os mesmos no sertão de hoje, mas deixar a terra por causa da estiagem não tem sido mais a única alternativa nos últimos anos. Conscientes das limitações impostas pelo Semiárido, moradores da região têm procurado se adaptar e conviver com o Clima do campo.
Durante quase 20 anos, a agricultora baiana Maria Eulália, de 62 anos, morou em Salvador. Na cidade, ela criou seis filhos biológicos e cinco adotados. Há sete anos dona Lia, como gosta de ser chamada, retornou ao campo com o marido. Mesmo sem chuva, cumpriu a promessa de retorno ao sertão, como diz a música Asa Branca, de Luiz Gonzaga: “Hoje longe, muitas léguas/ Numa triste solidão/ Espero a chuva cair de novo/ Pra mim voltar pro meu sertão”.
Moradora do Projeto de Assentamento Antônio Conselheiro, localizado na zona rural de Barra, na Bahia, dona Lia descreve seu retorno com brilho nos olhos. “Apesar de gostar de Salvador, preferi voltar para o sertão. Meus filhos já estão criados e quiseram ficar lá, mas meu sonho era voltar para perto do Rio São Francisco. Gosto mesmo é do campo”, conta.
A comunidade de dona Lia é atendida pelo projeto “Transferência de tecnologia de irrigação para fruticultura em níveis de agricultura familiar em perímetros irrigados de assentamento do Semiárido brasileiro”, da Embrapa – unidade Mandioca e Fruticultura. Ao todo, 15 famílias ocupam uma área de 2.845 hectares da antiga fazenda Canal do Rio Grande II. A tecnologia aplicada na localidade permitiu aos moradores trabalharem no plantio de mandioca, umbu, laranja, caju, milho, abóbora, banana, feijão, acerola e hortaliças.
De acordo com Embrapa, o projeto tem início com a identificação da área, feita a partir de demanda das associações dos assentados. Em seguida, é realizado um diagnóstico participativo, onde se define as culturas que serão trabalhadas. Logo após, faz-se a marcação da área e são levadas as sementes e as mudas para início do plantio. Paralelamente, o projeto instala o sistema de irrigação.
“Ter o rio aqui do lado e não ter o conhecimento da Embrapa era como se não tivéssemos nada. A realidade aqui mudou 100%, havia três anos que não pegava nada no solo aqui. Agora queremos conseguir comercializar, aprender a viver do campo e não ter que procurar emprego fora”, diz Dona Lia.
Segundo o pesquisador de sistemas de Produção Sustentável da Embrapa, Marcelo Romano, os resultados do trabalho possibilitaram a melhora na segurança alimentar dos moradores da comunidade e ainda viabiliza a inserção dos produtos no mercado local ou institucional, em programas do governo federal de aquisição de alimentos.
“A lógica do trabalho é difundir a irrigação, transferir tecnologia de irrigação e adaptar as condições que eles se encontram. Aliado ao desenvolvimento da irrigação, temos a introdução de materiais genéticos desenvolvidos pela Embrapa de qualidade. Por meio de uma experimentação local, podemos selecionar aqueles que são mais adaptados às condições deles. Particularmente, acho que a gente se sente muito recompensado de trabalhar com esse público, principalmente quando a gente vê as respostas que estamos tendo aqui nesse município”, complementa o pesquisador.
A experiência de dona Lia com a tecnologia repassada pela Embrapa é compartilhada pelo Projeto de Assentamento Fundo de Pasto Ribeirão. A comunidade está localizada a 18 quilômetros de Barra, em uma área de 600 hectares.
Entre as 13 famílias que vivem no local está a de Sandra Santos da Silva, de 30 anos. A jovem agricultora já é mãe de cinco meninas e recebe R$ 502 mensais do Bolsa Família por manter as quatro crianças maiores na escola. Sandra também resistiu ao êxodo devido às secas e não quis sair do campo.
“Meus pais e meus avós sempre gostaram de morar na área rural e eu tomei esse gosto. Mas acontece de muitas vezes perder o estímulo porque se a terra não está dando o sustento, não podemos deixar nossos filhos morrerem de fome”, conta.
A mãe de Sandra, a agricultora e líder comunitária Alzira da Silva Santos, de 49 anos nasceu na região e chegou a morar em São Paulo. Retornou há oito anos. “A gente ia e voltava, mas chegou um tempo que decidi ficar aqui de vez. Antes, o mais difícil era a alimentação. Já a seca é sempre igual. Esse ano mesmo não choveu, só teve um 'tira pó'. Mas aqui é melhor que a cidade, é sossegado, livre da violência. Também há os animais, lá a gente não pode criar”, relata.
A tendência observada nos assentamentos rurais é acompanhada diariamente pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). De acordo com o presidente do órgão, Carlos Guedes, esse é um “novo momento” dentro dos assentamentos devido às mudanças na atuação do Incra junto às comunidades rurais, já que políticas públicas integradas têm garantido condições básicas de vida.
Guedes destacou a parceria com o Ministério da Integração Nacional que vai levar a 30 mil famílias assentadas do Semiárido o acesso aos sistemas de abastecimento de água simplificados, como cisternas, adutoras ou encanamentos, por meio do programa Água para Todos.
“O ano passado investimos junto com o Ministério da Integração R$ 84 milhões para atender essas 30 mil famílias no Semiárido. Essas famílias vão ter acesso à água, em que elas vão ter o seu equipamento de reserva de água por meio de cisterna ou outro sistema que possa se desenvolver em conjunto com a grande obra de infraestrutura de água que está sendo feita pelo PAC”, explicou o presidente do Incra.
Para melhorar as estradas e vias de acesso nas zonas rurais, outra demanda frequente, está sendo preparando um acordo com município que se compromete a comprar a produção do assentamento rural. “O Incra está fechando parceria com municípios de até 50 mil habitantes. Se o município se compromete a comprar produção do assentamento, o Incra ajuda botando combustível na máquina para poder melhorar as vias de acesso dos assentamentos”, explicou.
Edição: José Romildo
fonte: Agência Brasil
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