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Um conjunto de dezenas de organizações aprovou na manhã deste sábado (23), em assembleia realizada no auditório Araújo Vianna, uma carta de compromissos dos movimentos sociais, no encerramento do Fórum Social Temático Porto Alegre. A Carta do Fórum Social Temático 2016 aponta que o atual momento político e econômico no mundo exige unidade e disposição de luta para evitar retrocessos civilizatórios. Para os movimentos signatários da carta, o capitalismo encontra-se em uma de suas piores crises e as medidas que vêm patrocinando para superar o cenário pode agravar ainda mais o quadro de desigualdade no mundo, ampliando também a supressão de direitos. Segundo estimativa da Oxfam, no ritmo atual, o 1% mais rico do mundo possuírá, até o final de 2016, mais capital que 99% da população do planeta.
No encontro da manhã deste sábado, representantes de movimentos sociais, sindicatos e organizações não-governamentais apresentaram propostas de acréscimos ao documento. Todas as propostas e moções foram encaminhadas para uma equipe de sistematização, que irá incluí-los na versão final. A Carta do Fórum Social Temático 2016 estará disponível a partir do dia 26 de janeiro na página do evento. Um dos pontos mais destacados nas intervenções foi o ataque ao mundo do trabalho e dos direitos que vem sendo promovido pelo grande capital como saída para a crise.
As progressivas ameaças de precarização do trabalho e supressão de direitos, aponta a carta, devem se intensificar ao longo deste ano, exigindo máxima unidade e capacidade de mobilização por parte das organizações dos trabalhadores.
Na avaliação dos organizadores, cerca de 10 mil pessoas participaram das atividades do Fórum, ao longo da semana.
Auditoria da dívida
A subordinação das nações e das sociedades ao capital financeiro foi outro ponto destacado no documento aprovado na assembleia. O presidente da seção gaúcha da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Claudir Nespolo, defendeu a proposta da incorporação imediata na agenda de lutas das organizações que participam do Fórum Social Mundial do debate sobre a auditoria da dívida. “Temos que enfrentar esse tema como enfrentamos a agenda da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas)”, defendeu o sindicalista.
O presidente da CUT-RS também defendeu a construção de um ato unitário na América Latina em defesa da democracia e dos direitos, e contra o golpismo. As atividades do dia 1º de maio deste ano, anunciou, deverão incorporar essa agenda.
Para Claudir Nespolo, o encontro de Porto Alegre demonstrou que o Fórum Social Mundial pulsa como elemento estratégico de unidade da esquerda. “Nestes dias de debate, identificamos quem são os nossos inimigos e debatemos uma estratégia para enfrentá-los”, assinalou. Guiomar Vidor, presidente, no Rio Grande do Sul, da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB), também fez uma avaliação positiva do Fórum. “Em 2001, o Fórum Social Mundial se constituiu como um importante instrumento de resistência às teses neoliberais. Fincamos uma cunha com a criação do Fórum e essa luta segue atual”, apontou Vidor.
Entre outras bandeiras, movimentos sociais e sindicatos reafirmaram disposição de lutar contra tentativas de golpe contra a presidenta Dilma Rousseff.
A quarta revolução industrial
O dirigente da CTB lembrou que, hoje, no mundo, 62 pessoas têm a mesma riqueza que a metade da população de todo o planeta. E citou a previsão feita no Fórum Econômico Mundial, de Davos, segundo a qual a quarta revolução industrial, baseada na evolução tecnológica da internet, eliminará cerca de 5 milhões de empregos no mundo. Mais do que nunca, defendeu Vidor, se justifica a luta para suplantar o capitalismo.
Essa “quarta revolução industrial” foi o tema central da edição deste ano do Fórum de Davos. Além da perda de cinco milhões de empregos nos próximos cinco anos em todo o mundo, essa nova revolução industrial deverá provocar “grandes perturbações não só no modelo dos negócios, mas também no mercado de trabalho nos próximos cinco anos”, indica um estudo do Fórum Econômico Mundial. Ainda segundo esse estudo, depois da primeira revolução (com o aparecimento da máquina a vapor), da segunda (eletricidade, cadeia de montagem) e da terceira (eletrônica e robótica), teremos agora a quarta revolução industrial que combinará numerosos fatores como a internet dos objetos ou a “big data” para transformar a economia.
Citando o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, Guiomar Vidor concordou que, no plano nacional, a presidenta Dilma Rousseff precisa ajudar sindicatos e movimentos sociais a defender o governo das tentativas de golpe. Por outro lado, advertiu que as organizações populares não podem vacilar na luta contra o golpe e em defesa da democracia.
O dirigente da CTB defendeu a realização de uma jornada continental, em Uruguaiana, no final de maio, em defesa da democracia, da paz e da integração latino-americana.
Desmilitarização das PMs
Camila Lemos, da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), defendeu uma maior articulação em nível latino-americano da luta contra a mercantilização do ensino. Além disso, destacou a importância da luta pela desmilitarização das polícias militares no Brasil. “Historicamente, a juventude brasileira vem sendo agredida e morta pela PM”, disse Camila, lembrando que isso segue acontecendo no cotidiano do país, sem que os policiais envolvidos nos casos de agressão e morte sejam punidos. A dirigente da UBES também incluiu a defesa do mandato da presidenta Dilma entre as prioridades para 2016. “Defender isso não significa defender o PT, mas sim a democracia brasileira”, sustentou.
Boaventura de Sousa Santos também elogiou o saldo final do Fórum em Porto Alegre. Para ele, os participantes do encontro saem de Porto Alegre com mais força e mais conscientes dos perigos e das dificuldades, dos obstáculos e dos inimigos contra os quais é preciso lutar. O sociólogo português chamou a atenção para o fato de que, em 2001, o Fórum Social Mundial promoveu lutas ofensivas como um contraponto ao Fórum de Davos. Agora, em 2016, defendeu, essas lutas têm um caráter defensivo. Os movimentos populares chegaram ao poder, assinalou, e concluíram que “tinham um amigo no governo e descansaram”. “É preciso defender, mas a melhor maneira de defender é atacar”, afirmou, defendendo a retomada das mobilizações e das articulações sociais para enfrentar a ofensiva conservadora em curso em várias regiões do mundo.
Para Mauri Cruz, encontro recuperou o espírito de Porto Alegre e também a esperança de consolidar o Fórum como um contraponto ao sistema neoliberal.
A volta do espírito de Porto Alegre
Mauri Cruz, da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) e integrante do Comitê de Apoio Local do Fórum Social Temático Porto Alegre, considerou o encontro um sucesso. “Ouvimos várias pessoas falar que o espírito de Porto Alegre voltou, ou seja, a ideia de um fórum militante com posição política sobre os temas e claramente anti-capitalista, e não aquele fórum mais com uma cara de evento”.
Para ele, esse sucesso é resultado de uma metodologia que começou a ser construída em 2010, com os fóruns temáticos, não entrando em conflito com o Fórum Social Mundial, mas procurando mostrar que era preciso retomar a metodologia e o espírito de Porto Alegre, com a participação horizontal da sociedade e dos novos atores, como a juventude negra, as mulheres e os indígenas, juntamente com os movimentos sociais mais tradicionais. “Tivemos mais de 5.100 inscritos que pagaram para participar do encontro. A nossa avaliação é que mais de 10 mil pessoas participaram das atividades do Fórum ao longo desta semana. Nos dias 21 e 22, os dois mais quentes da programação, tivemos todos os espaços lotados. Além disso, pela primeira vez, em quinze anos do Fórum Social Mundial, conseguimos realizar uma mesa com todos os movimentos de mulheres discutindo juntos. Pela primeira vez também, temos uma reunião dos membros históricos do Conselho Internacional do Fórum com os novos atores deste conselho para discutir o processo do FSM. Nós recuperamos o espírito de Porto Alegre e também recuperamos a esperança de consolidar o Fórum como um contraponto ao sistema neoliberal que está aí”, concluiu Mauri Cruz.
Marcos Weissheimer, do Sul 21 - Revista Fórum
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